Eu e os muitos eus
Chega um tempo em nossas vidas em que já nem é mais possível ser muitos em um ou um em muitos. Os muitos que somos assumem aos olhos e percepção dos outros contornos rígidos, formas indeléveis, caras que apenas tivemos furtivamente ou que construímos numa dada circunstância. Estes muitos tornam-se, portanto, cada um e este cada um não é exatamente o que somos ou pensamos ser.
O pior é que ficamos marcados, aos olhos e percepção dos outros, pelos nosso defeitos, idiossincrasias e qualidades excepcionais. Aquele que somos aos nossos próprios olhos, em nossa própria percepção, termina por existir apenas em nós. Mas, à medida que não somos nada mais ou menos do que parecemos ser aos olhos dos outros, terminamos, em algumas circunstâncias, por saber menos de nós do que nós mesmos.
Cada um dos outros tem de você uma imagem própria e peculiar, que é, ao mesmo tempo, o que você ensinou a eles sobre você, por seus gestos, atitudes e aparência, e como o quadro de valores que eles detêm interpretam tais ensinamentos. Na visão de cada um, você é o outro, filtrado e analisado a partir do que ele pensa , vivencia e acredita.
Você, entretanto, se vê de um jeito que é o seu jeito de ver as coisas, vê os outros do seu jeito e os analisa segundo sua própria percepção e seus valores.
Tais constatações tornam-se mais graves e complexas quando tratamos da percepção dos que vivem e habitam nosso próprio cotidiano sobre nós. Pois, se para um qualquer você é um estranho percebido de forma fortuita, para os próximos você é um cuja percepção de você está sedimentada em muitas camadas que, aos poucos, vão tornando rígida a máscara que, segundo eles, cobre-lhe o rosto, emoldura-lhe os gestos, orienta-lhe as ações.
Para esses últimos, há uma vantagem de que boa parte dos valores que cada um detêm é comum aos seus e, portanto, há uma superposição de conceitos e percepções entre o seu quadro de valores e os deles. Todavia, há também um agravante, pois estes, muitas vezes, sedimentam uma percepção sua que não corresponde ao que você pensa que é, obrigando-o a conviver com este outro eu que não é o que você julga ou quer que seja você e que está sempre perto de você a importuna-lo, fazendo-o crer, ou constatar, o que é mais grave, que você é quem não pensa ou sabe que é.
Rio, 03/03/2000
Chega um tempo em nossas vidas em que já nem é mais possível ser muitos em um ou um em muitos. Os muitos que somos assumem aos olhos e percepção dos outros contornos rígidos, formas indeléveis, caras que apenas tivemos furtivamente ou que construímos numa dada circunstância. Estes muitos tornam-se, portanto, cada um e este cada um não é exatamente o que somos ou pensamos ser.
O pior é que ficamos marcados, aos olhos e percepção dos outros, pelos nosso defeitos, idiossincrasias e qualidades excepcionais. Aquele que somos aos nossos próprios olhos, em nossa própria percepção, termina por existir apenas em nós. Mas, à medida que não somos nada mais ou menos do que parecemos ser aos olhos dos outros, terminamos, em algumas circunstâncias, por saber menos de nós do que nós mesmos.
Cada um dos outros tem de você uma imagem própria e peculiar, que é, ao mesmo tempo, o que você ensinou a eles sobre você, por seus gestos, atitudes e aparência, e como o quadro de valores que eles detêm interpretam tais ensinamentos. Na visão de cada um, você é o outro, filtrado e analisado a partir do que ele pensa , vivencia e acredita.
Você, entretanto, se vê de um jeito que é o seu jeito de ver as coisas, vê os outros do seu jeito e os analisa segundo sua própria percepção e seus valores.
Tais constatações tornam-se mais graves e complexas quando tratamos da percepção dos que vivem e habitam nosso próprio cotidiano sobre nós. Pois, se para um qualquer você é um estranho percebido de forma fortuita, para os próximos você é um cuja percepção de você está sedimentada em muitas camadas que, aos poucos, vão tornando rígida a máscara que, segundo eles, cobre-lhe o rosto, emoldura-lhe os gestos, orienta-lhe as ações.
Para esses últimos, há uma vantagem de que boa parte dos valores que cada um detêm é comum aos seus e, portanto, há uma superposição de conceitos e percepções entre o seu quadro de valores e os deles. Todavia, há também um agravante, pois estes, muitas vezes, sedimentam uma percepção sua que não corresponde ao que você pensa que é, obrigando-o a conviver com este outro eu que não é o que você julga ou quer que seja você e que está sempre perto de você a importuna-lo, fazendo-o crer, ou constatar, o que é mais grave, que você é quem não pensa ou sabe que é.
Rio, 03/03/2000
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