terça-feira, 20 de janeiro de 2009

2002.doc

2002 chegou como vindo de um furacão, menos do que esperanças, traz expectativas, traz medos, traz perplexidades. Todos, é claro, esperam sempre dias melhores, todos, é claro, falam de paz, todos falam em uníssono palavras de alegria...mas, no fundo têm a certeza que a escolha declarada pela ética, pela razão, pela solidariedade esta longe de seus poderes alcançar. Curioso é que ninguém é mau, ninguém defende posições contra o ser humano, contra o ambiente, contra a ética, contra a moral. Todos, invariavelmente, situam-se como pessoas tolerantes. A culpa é sempre do outro, ou melhor, dos outros. A verdade é que a ganância, a cupidez, a intolerância, a insensatez coletiva prevalecem sempre, malgrado as escolhas individuais. Que digam os fatos de 2001.

2001 passou como o próprio furacão e trouxe demonstrações claras da cristalização dos processos que estavam, latentes, fermentando as almas e corações atormentados. Revelou mais do que o incômodo da violência cotidiana, mais do que as fraquezas de um sistema econômico perverso, muito mais do que estávamos acostumados ou preparados para saber, mesmo que jamais tenhamos deixado de sabê-lo. Revelou, por exemplo, que apesar do mundo ser cada mais uma aldeia global, onde todos se comunicam e se referenciam a um universo muito mais amplo do que seu próprio horizonte, não há uma lógica global, um código de ética global, um conjunto de verdades globais.

Por isso, todos têm medo, por isso se tem cuidado ao se ter esperança.

O bem e o mal foram de tal forma relativizados em 2001 e de tal forma foram revelados ao julgamento de cada um que, cada um sente-se no todo e sente o todo e por todos o temor. Nunca as telas das TVs, que estão em quase todos os lares, foram tão pródigas em notícias eloqüentes, nunca tivemos tanta oportunidade de viver e partilhar a tragédia humana, com tanta veemência. E, o que os olhos vêem o coração sente.

Em 2001, houve um 11 de setembro diferente de todos os outros milhares de onzes de setembros de antes e depois do Cristo. Neste 11 de setembro particular, o mundo, em pleno signo da ordem, pôs-se em desordem. Os conflitos cotidianos que marcaram o final do milênio, mantendo acesa a chama da guerra em nome de Deus para que as máquinas não parem, mudaram de feição.

Nele, as guerras longínquas, que víamos e vivíamos virtualmente, bateu às portas da capital do mundo ocidental. Nova York foi atacada, como nas ficções a que já estávamos acostumados, por terroristas fundamentalistas do Islã. Justiceiros suicidas que descobriram nova forma de morrer e de matar. As Torres Gêmeas, símbolo máximo do capitalismo mundializado, foram derrubadas em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Washington, capital da maior potência mundial, foi atacada da mesma forma e ao mesmo tempo. O Pentágono, símbolo máximo do poderio bélico norte americano, foi derrubado em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Num átimo descobriu-se que o rei estava nu. Num átimo todos os ocidentais descobriram, que para além de resistências islâmicas nas zonas de conflito da Europa e do Oriente Médio, havia muito mais ódio enquistado e havia um mundo inteiro, cheio de verdades que não são as ocidentais, pronto para agir e se preciso matar.

Em menos de meia hora mudou a história, mudou a perspectiva de olhar a história.

Não houve o apocalipse anunciado, a não ser, por certo, para quem lá estava e morreu no ato, certo de que o mundo estava mesmo se acabando. Tal o susto, tanto o fogo, tantas as mortes.

A este momento insano, sucederam-se outros de igual insensatez. A descoberta de que um homem, comandando outros, todos fanáticos por sua crença em um Deus tão poderoso que lhes movia para a morte sorridentes, fez-nos antever as trevas de uma nova idade. Instalou-se uma guerra global e tribal simultaneamente. Para caçar este homem, ainda não encontrado, destrui-se um país inteiro com bombas de US$ 1 milhão jogadas aos milhares. A sociedade judaico-cristã mostrou sua força, suas garras, seus dentes. O Islã revelou-se um mundo à parte, fragmentado, raivoso, triste, oprimido e opressor.

Tudo estava ali latente no início do milênio. Latente e distante como um filme de ficção. De repente, o distante tornou-se próximo. De repente, como diria o poeta, não mais que de repente.

2002 chega, portanto, sob o signo de uma guerra sem fronteiras e sem Estados. Uma guerra do bem contra o mal ou do mal contra o bem, dependendo do ponto de vista de quem olha, de quem vive, de quem está na guerra, de quem assiste a guerra.

Nós aqui, espectadores, continuamos com nossas idiossincrasias. Perplexos com as notícias que nos fazem chegar, ver, lamentar. Nunca, nos tempos pós-modernos, a notícia foi tão lapidada, maquiada, revista, para que nós não nos esqueçamos de nossa própria identidade e de que lado estamos.

Além da guerra lá, novas perplexidades foram notícia ca. A Argentina, tão altaneira, acabou-se nos fluxos financeiros da globalização. Sucumbiu como uma província qualquer, fazendo lembrar a nós, a todos os latinos, nossas fragilidades. A Europa inaugura 2002 com uma moeda continental, na luta secular para se destribalizar. Conseguira? A Austrália, centro da Oceania, pega fogo há semanas. E, a África, de tão miserável, de tão marginal, foi definitivamente esquecida pelos noticiários. Não há mais o problema africano, já que há muito mais o que ocupar nos noticiários mundiais. E apesar disso o Rio de Janeiro continua lindo, malgrado as chuvas e as mortes de verão. Como a aparência vale mais do que a essência...

A palavra de ordem neste início de 2002 é PAZ, sempre se falou em paz, sempre se buscou a paz, mas justamente a falta de paz é o que mais incomoda a todos.

Trata-se da falta de paz na vida cotidiana das pessoas, das famílias, nas ruas, nas praças, nos bairros, nas comunidades, nas cidades, nos países, nos continentes, entre os distintos mundos e as distintas verdades. Uma falta que decorre, para muitos, das impossibilidades de inclusão social dos outros, os que, justamente, rompem a paz dos incluídos, dos que lutam e trabalham e crêem e conseguem explicar e até se solidarizar com a atitude dos seus algozes, mas, ainda assim, algozes. Para outros, trata-se apenas de uma falta de tolerância e de capacidade de entender o outro e que um gesto de conforto, um abraço, pode trazer o excluído para um caminho onde ambos encontrem a paz. Para outros, ainda, o que prevalece para além do desejo de paz, é uma cultura de guerra, de violência, de impor soluções e idéias aos outros, os que não podem nem mesmo se expressar a não ser pela própria violência. Claro, todos têm razão, pelo menos um pouco de razão.

Mas afinal, se todos sabem pelo menos uma parte das respostas, quem perturba a paz?! O que impede que a paz realmente se estabeleça, que as pessoas todas, da família ao planeta, vivam em paz?

Por mim, o apelo para trilhar, com alegria e tolerância, o caminho da solidariedade e da comunhão com o meio ambiente e com os desvalidos deste mundo, continua de pé. Muito se falou e pouco se caminhou nesta direção em 2001...quem sabe 2002, nos traga esta oportunidade, a real oportunidade de paz, vamos tentar outra vez?!

Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 2002
Alexandre Santos

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