terça-feira, 20 de janeiro de 2009

2003.doc

Estamos às portas de 2003. 2002, mal chegou e já passou e tantas coisas aconteceram e poucas coisas mudaram.

O arauto do apocalipse que governa o Império pôde, com o álibi do atentado ao Word Trade Center, arrasar o Afeganistão, abrir fogo diplomático contra o Iraque e atiçar os ódios dos seguidores de Alá.

Bin Laden, não foi encontrado, existiria ou seria apenas uma criação hollywoodiana?

Nunca tivemos tantos atentados em série, e mortes em série, notícias em série... e medo. Um medo: disfarçado, contido, irreal, como as imagens que todos os dias vemos e não sabemos distinguir sobre o que é e o que não é fantasia.

Como disse há algum tempo num versinho: “No louco movimento da humanidade, Paz é mera abstração, não sendo mais que utopia, é inverdade”.
A utopia perseguida e mais distante a cada novo dia. No mundo, no país, nas cidades, nos bairros, nas comunidades...

Vejo cada vez mais se concretizar um vaticínio exagerado e caricato que fiz desde os anos 80, a respeito do mundo do futuro, ou seja, o de hoje: caminhamos na direção de uma nova idade média, uma idade média pós-moderna. Algo que reproduziria numa escala atual a fragmentação do mundo que sucedeu à decadência e queda do Império Romano, quando, cada grupo, cada feudo, cada gueto, cada seita religiosa possuía uma vida única, própria, fechada, sujeita às suas próprias leis, e às suas estruturas próprias de subordinação e hierarquia social. A barbárie. A violência!!!

Depois disso, tantos foram os textos e os alertas para a fragmentação, face oposta da moeda globalização, que já sabíamos todos, mesmo sem recorrer à metáfora de uma idade média pós-moderna, que no seio da terra dos judeus, nasceria o ódio palestino; que das distinções culturais dos muçulmanos, germinariam as afirmações culturais de suas várias tribos; que na prosperidade européia do pós Euro vicejariam entre os jovens os movimentos punks e neo-nazistas; que entre os cristãos da Irlanda adviria o cisma; entre os pacifistas americanos pós 68 germinariam os patriotas amantes da guerra; que em meio à prosperidade tecnológica das cidades modernas abundariam os guetos miseráveis....

Tudo visto e revisto, olhado e comparado, fazendo germinar ódios irreversíveis, em cada porção de território, em cada nesga de sociedade.

Instala-se assim, progressivamente, o reinado do medo, da violência vivida e real e da violência vista e, de qualquer forma, sentida em nossas vísceras. Está em tudo o mundo e à nossa volta, em nosso cotidiano sempre. Convivemos com isto já, com a naturalidade necessária, e como medo, que nada resolve e se impõe.

Mas 2000, 2001, 2002, não vêm sendo apenas isto e também 2003 não haverá de sê-lo. Ao lado do medo renova-se sempre a esperança, registram-se sempre as conquistas. E não foram poucas as conquistas.

Pra começar ganhamos o campeonato mundial de futebol, pela quinta vez. Fomos Pentacampeões!! Alguns, a maioria, dos chefes do tráfico, nossos Bins Ladens, estão atrás das grades, sem, entretanto, perderem a pose e a voz de comando. A democracia, de uma maneira geral evoluiu, assim como as comunicações virtuais e em rede também.

(As redes, ah, as redes! Não as de embalar, nem de pescar, mas as de articular, de tornar cúmplice, de informar, de por em prontidão, de mobilizar os guetos todos, os feudos tantos do bem e do mal. As redes, ícones dos tempos pós-modernos!)

Aqui, deu baile e tal democracia. As eleições gerais mais limpas da história. O maior número de votantes dos tempos modernos. A eleição, para presidente, do metalúrgico Lula, tantas vezes candidato. Uma onda vermelha plena de esperanças e de pouco ou nenhum rancor. A transição inédita, tranqüila, civilizada. Carnavalileição!!. Tanta a festa que vem sendo, tanta alegria, tantas esperanças, como se até tudo estivesse perdido e fôssemos, finalmente, encontrar todas as saídas.

Às vésperas da posse já se sabe (mesmo os mais empedernidos ortodoxos) que o caminho afinal de contas é tortuoso mesmo e que as mudanças esperadas, mesmo as mais necessárias, terão que vir sem precipitação. As coisas caminham em seu próprio ritmo e não se resolvem questões sociais e de Estado com bravatas. O mais belo é que a maioria sabe muito bem disso: Desse limiar tênue entre utopia, realismo e frustração.

No mais a vida vai e as lições são aprendidas de forma lenta. O mundo fragmenta-se mais e mais. As cidades fracionam-se; a miséria multiplica-se, as crianças nascem, os velhos duram cada vez mais. E, ainda, se morre de fome. E, ainda, se sofre de tédio.

Mas a maioria dança, faz amor e canta a esperança da cura da Aids, da cura do câncer, do novo governo, da moralidade generalizada; de que passe um pouco de sensatez pela mente do bufão do Texas; de que o Iraque afinal de contas não tenha nenhuma arma de destruição em massa; de que o dólar se estabilize num patamar digno de nosso trabalho; de que os analistas de crédito das agências internacionais venham passar o carnaval aqui e fiquem e tenham filhos mulatos; de que a inflação não volte; de que os fogos que saúdem 2003 sejam ainda mais lindos do que nos anos anteriores, como sempre; de que as chuvas de verão não sejam maiores do que estas de final de primavera; e de que os guetos se calem ou falem, mas apenas discursos de paz.

Boa caminhada em 2003! Estarei a seu lado, espero...

Rio de Janeiro, ainda, em 16 de dezembro de 2002
Alexandre Santos

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