terça-feira, 20 de janeiro de 2009

2009.doc

2009 chegou pleno de presságios!

Estranhamente, pouco ouvi e, sobretudo, li neste último final de ano projeções e perspectivas alvissareiras de porvir. O papo é sempre: como resolver os imbróglios derivados dos acontecimentos do último trimestre de 2008? A crise na economia global, o estouro da bolha do mercado financeiro internacional, a queda no valor das commodities, os rearranjos no câmbio, a retração no crescimento da economia chinesa, as repercussões da crise em nosso país – um tsunami, segundo os analistas, uma marolinha, segundo o presidente.

Certamente, nem uma coisa nem outra, mas os efeitos se fazem sentir, no valor do dólar, na queda de nossa balança comercial, no achatamento dos preços do petróleo, do aço, do ferro, na diminuição das compras chinesas, americanas etc.

E, como se não bastassem as perplexidades na economia global, o governo, ou melhor seria o desgoverno de Israel, resolveu presentear o mundo neste final de ano, começo de outro, com uma chacina da população civil palestina na Faixa de Gaza, derrubando em minutos, os muitos esforços de pacificação daquela porção do planeta. Sementes de ódio distribuídas pelo ar, pelo mar e pela terra destinadas, sobretudo, a germinar mais ódios e dissensões, a fabricar mais lutas e terroristas suicidas, a nos mostrar os limites de nossas pretensões à paz. Tudo feito em nome de Deus.

E por aqui, como se não bastassem as interrogações em torno das repercussões da crise da economia global e o medo de que os ódios religiosos, étnicos, ou o que seja, que se disseminam desde o oriente médio atinjam nossa sociedade, existem tormentos concretos causados pelas chuvas de verão, que chegaram no começo da estação e estão afligindo extensos segmentos da população dos estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e deixam um legado de desafios por superar. Mortes, desabrigo, doenças contagiosas, prejuízos materiais incontáveis, paralisação na produção industrial em alguns lugares e as chuvas que não cessam e deixam a alma triste como a paisagem.

A verdade é que o clima é de apreensão, mesmo que também seja, como sempre de renovação dos ciclos da vida e de esperanças de porvir. Quem sabe este ano patinho-feio não se transformará no cisne mais belo do lago e as coisas mudem de tal maneira que ao fim e ao cabo a superação dos desafios postos nos conduza a novos e mais sustentáveis caminhos. A uma nova ordem, como exigem alguns!

Do lado da esperança e destas novas possibilidades está a tão propalada posse de Obama. Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, um jovem de origem multiétnica, nascido no mais novo e mais longínquo estado americano, com um nome islâmico, um democrata ousado. Antes de tudo, um símbolo de mudança e, pelo menos, a esperança de uma nova e mais conseqüente postura dos arrogantes donos do poder global, em cujos intestinos fermenta a tal crise. Um nome novo, um homem novo, para conduzir uma mudança que tem de ser maior do que pode uma pessoa faze-lo. Será preciso uma mobilização mundial, que já se desenha, embora,ainda sem grandes resultados.

Pelo menos nos livramos do Senhor da Guerra. Já é um começo...

Entre nós, o discurso de grandeza e de esperança permanece na voz de nosso Lula, que, claro, não pode sair por ai apregoando dificuldades e não pode suprimir a esperança que ele, como ninguém sabe disseminar. Mas temo, que isto seja pouco se as coisas não mudarem mesmo mundo afora.

E tem as mudanças climáticas e tem as evidentes intempéries que precisam ser equacionadas de vez, sob pena da nossa querida biosfera abrir o bico e começar a cuspir tempestades, como já vem fazendo, a soprar ventos, a esgotar rios, a esturricar terras férteis sob o sol inclemente. Trata-se de uma missão formidável, onde todos, todos mesmo, precisam fazer a sua parte. É verdade que avançamos, é verdade que nos mobilizamos, mas temo que a urgência não nos permite ser mais condescendentes com soluções parciais.

Pois é, parece mesmo que estamos no limiar de uma nova era ou de uma nova ordem.

As eras nesses tempos duram poucos anos. Há 80 anos precisamente, mergulhávamos na mais profunda crise do então capitalismo moderno. O mundo quebrou e a partir dali foram vinte anos que se passaram na construção de um novo modelo de acumulação fundado na disseminação do estado de bem-estar, logo após o final da grande guerra. Foi necessária uma guerra de alcance planetário para que as novas bases do modelo e do sistema fossem estabelecidas.

Dali em diante e por vinte anos vivenciamos os anos dourados da acumulação capitalista nas nações ocidentais. Mas tudo isto era pouco, era preciso estender o manto a todo o planeta. A acumulação exigia mais!

Há 40 anos, justamente em 1969, fizemos nossa primeira transmissão via satélite para todo o planeta. Presenciávamos então a descida do homem na Lua. Pode se marcar aquele feito como o início desta era que agora exige um novo rumo.

Conta-se que em minha terra, lá pras bandas do Alto do Moura, em Caruaru, todo o povo da comunidade estava reunida em torno da única televisão, no boteco do Bil, para ver o feito memorável da humanidade. Apenas seu Inocêncio, um provecto e respeitado senhor, mantinha-se em sua mesa no canto do boteco a saborear sua Pitu. Diante da tal indiferença todos o convocavam insistentemente para ver o feito, para testemunhar a história. Ele, cético, desacreditava de tudo. De que o homem desceria na Lua, de qualquer coisa que passava na televisão (que não entendia bem) e de que tudo que ocorria naquele momento na Lua pudesse ser presenciado assim, sem mais nem menos, em qualquer canto. Diante da insistência dos amigos e de zombaria dos mais jovens em relação à sua descrença, terminou por concordar parcialmente. Mas, mantendo seu desinteresse, colocou a seguinte questão: “Digamos que vocês tenham razão, que os homens que estão nesta nave espacial, cheguem mesmo na lua, Digamos que esta máquina infernal seja de fato capaz de filmar e mostrar pra gente na horinha o que está acontecendo na Lua, mas eu pergunto: Há alguém de Caruaru nesta nave? Se não há, então porque todo este interesse de vocês por isto tudo?”

Naqueles tempos, não tão longínquos, o mundo para a grande maioria das pessoas terminava próximo ao horizonte. O que se passava nos lugares mesmos, com as pessoas conhecidas é que tinha importância. O que seu Inocêncio não poderia perceber, e por certo também todos ou quase todos que ali estavam, é que muito mais importante do que o simbolismo do homem descer na Lua, estava o fato de que naquele momento se rompiam as barreiras das distâncias, se inaugurava a simultaneidade global, se estabeleciam às condições tecnológicas para um novo modelo de acumulação.

Mas isto não seria ainda suficiente! Em 1989, 20 anos depois portanto, caiu o muro de Berlim. Um feito e um fato que simbolizava a vitória das democracias liberais num processo que já se construía há mais de uma década e que punha por terra todos os projetos de ditaduras, à esquerda e à direita do espectro ideológico e que abria fronteiras econômicas mesmo no mundo enigmático dos chineses. A queda do muro, há 20 anos, foi apenas mais um passo simbólico do que se construía em termos de condições políticas na escala global para que o sistema econômico “evoluísse” para o que convencionamos chamar de globalização.

De qualquer forma, foram mais uma vez 20 anos para que as condições de uma nova ordem fossem plenamente estabelecidas. Nestes últimos 20 anos, vivenciamos plenamente, portanto, a evolução do produto mais acabado do capitalismo financeiro e neles “o distante tornou-se próximo” , os fatos e feitos de todos e em todos os lugares passaram a fazer parte de nossos cotidianos, transmitidos ao vivo pela TV, discutidos à mesa do jantar, como se falássemos dos miados do novo gato da vizinha de porta. Neste tempo o consumismo exacerbou-se e tudo, graças aos créditos ilimitados, e as inúmeras possibilidades de trocas comerciais estabelecidas em escala planetária, tudo parecia estar ao alcance da mão e do bolso. O progresso parecia ilimitado e com o crescimento econômico nunca visto, as inovações tecnológicas cada vez mais fantásticas, a questão da redistribuição dos benefícios parecia apenas uma questão de tempo e de alguns ajustes internos em cada um dos paises.

Mas a África seguia à margem do processo, mas as injustiças sociais se avolumavam, mas as dissensões religiosas, étnicas e culturais se sublimavam e fermentavam os conflitos nos lugares, de toda forma estes também funcionais para o azeitamento do sistema. Até que o blefe foi revelado, até que a bolha explodisse e os limites ficassem à vista de todos, justamente no final de 2008, quando o ciclo de acumulação global, tal como agora se desenha, revelou seu esgotamento.

De bom, de fato, a afirmação das democracias em todos os lugares e as lutas por diretos e pela preservação dos recursos ambientais. Lutas, tão somente, que evoluem, mas ainda com poucos resultados, já que a acumulação desenfreada está sempre à frente nesta corrida sem fim. De lúcido, o aprendizado dos ideogramas chineses que representam a expressão crise, pela combinação dos ideogramas: problemas e oportunidades.

Chegamos assim a 2009, como se vivêssemos o fim de uma era, que levou vinte anos sendo parida e que durou vinte anos e que nos apresenta problemas muitos a serem superados e que podem representar a oportunidade do encontro com uma nova ordem internacional, mais justa e sustentável. Quem sabe, daqui a mais 20 anos conseguiremos construir bases mais sólidas desta nova ordem. Vamos ter esperança e mais que tudo, lutar por isto. 2009 pode e deve ser o ponto de partida!

Rio de janeiro, 06/01/2009
Alexandre Santos

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