terça-feira, 20 de janeiro de 2009
2009.doc
2009 chegou pleno de presságios!
Estranhamente, pouco ouvi e, sobretudo, li neste último final de ano projeções e perspectivas alvissareiras de porvir. O papo é sempre: como resolver os imbróglios derivados dos acontecimentos do último trimestre de 2008? A crise na economia global, o estouro da bolha do mercado financeiro internacional, a queda no valor das commodities, os rearranjos no câmbio, a retração no crescimento da economia chinesa, as repercussões da crise em nosso país – um tsunami, segundo os analistas, uma marolinha, segundo o presidente.
Certamente, nem uma coisa nem outra, mas os efeitos se fazem sentir, no valor do dólar, na queda de nossa balança comercial, no achatamento dos preços do petróleo, do aço, do ferro, na diminuição das compras chinesas, americanas etc.
E, como se não bastassem as perplexidades na economia global, o governo, ou melhor seria o desgoverno de Israel, resolveu presentear o mundo neste final de ano, começo de outro, com uma chacina da população civil palestina na Faixa de Gaza, derrubando em minutos, os muitos esforços de pacificação daquela porção do planeta. Sementes de ódio distribuídas pelo ar, pelo mar e pela terra destinadas, sobretudo, a germinar mais ódios e dissensões, a fabricar mais lutas e terroristas suicidas, a nos mostrar os limites de nossas pretensões à paz. Tudo feito em nome de Deus.
E por aqui, como se não bastassem as interrogações em torno das repercussões da crise da economia global e o medo de que os ódios religiosos, étnicos, ou o que seja, que se disseminam desde o oriente médio atinjam nossa sociedade, existem tormentos concretos causados pelas chuvas de verão, que chegaram no começo da estação e estão afligindo extensos segmentos da população dos estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e deixam um legado de desafios por superar. Mortes, desabrigo, doenças contagiosas, prejuízos materiais incontáveis, paralisação na produção industrial em alguns lugares e as chuvas que não cessam e deixam a alma triste como a paisagem.
A verdade é que o clima é de apreensão, mesmo que também seja, como sempre de renovação dos ciclos da vida e de esperanças de porvir. Quem sabe este ano patinho-feio não se transformará no cisne mais belo do lago e as coisas mudem de tal maneira que ao fim e ao cabo a superação dos desafios postos nos conduza a novos e mais sustentáveis caminhos. A uma nova ordem, como exigem alguns!
Do lado da esperança e destas novas possibilidades está a tão propalada posse de Obama. Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, um jovem de origem multiétnica, nascido no mais novo e mais longínquo estado americano, com um nome islâmico, um democrata ousado. Antes de tudo, um símbolo de mudança e, pelo menos, a esperança de uma nova e mais conseqüente postura dos arrogantes donos do poder global, em cujos intestinos fermenta a tal crise. Um nome novo, um homem novo, para conduzir uma mudança que tem de ser maior do que pode uma pessoa faze-lo. Será preciso uma mobilização mundial, que já se desenha, embora,ainda sem grandes resultados.
Pelo menos nos livramos do Senhor da Guerra. Já é um começo...
Entre nós, o discurso de grandeza e de esperança permanece na voz de nosso Lula, que, claro, não pode sair por ai apregoando dificuldades e não pode suprimir a esperança que ele, como ninguém sabe disseminar. Mas temo, que isto seja pouco se as coisas não mudarem mesmo mundo afora.
E tem as mudanças climáticas e tem as evidentes intempéries que precisam ser equacionadas de vez, sob pena da nossa querida biosfera abrir o bico e começar a cuspir tempestades, como já vem fazendo, a soprar ventos, a esgotar rios, a esturricar terras férteis sob o sol inclemente. Trata-se de uma missão formidável, onde todos, todos mesmo, precisam fazer a sua parte. É verdade que avançamos, é verdade que nos mobilizamos, mas temo que a urgência não nos permite ser mais condescendentes com soluções parciais.
Pois é, parece mesmo que estamos no limiar de uma nova era ou de uma nova ordem.
As eras nesses tempos duram poucos anos. Há 80 anos precisamente, mergulhávamos na mais profunda crise do então capitalismo moderno. O mundo quebrou e a partir dali foram vinte anos que se passaram na construção de um novo modelo de acumulação fundado na disseminação do estado de bem-estar, logo após o final da grande guerra. Foi necessária uma guerra de alcance planetário para que as novas bases do modelo e do sistema fossem estabelecidas.
Dali em diante e por vinte anos vivenciamos os anos dourados da acumulação capitalista nas nações ocidentais. Mas tudo isto era pouco, era preciso estender o manto a todo o planeta. A acumulação exigia mais!
Há 40 anos, justamente em 1969, fizemos nossa primeira transmissão via satélite para todo o planeta. Presenciávamos então a descida do homem na Lua. Pode se marcar aquele feito como o início desta era que agora exige um novo rumo.
Conta-se que em minha terra, lá pras bandas do Alto do Moura, em Caruaru, todo o povo da comunidade estava reunida em torno da única televisão, no boteco do Bil, para ver o feito memorável da humanidade. Apenas seu Inocêncio, um provecto e respeitado senhor, mantinha-se em sua mesa no canto do boteco a saborear sua Pitu. Diante da tal indiferença todos o convocavam insistentemente para ver o feito, para testemunhar a história. Ele, cético, desacreditava de tudo. De que o homem desceria na Lua, de qualquer coisa que passava na televisão (que não entendia bem) e de que tudo que ocorria naquele momento na Lua pudesse ser presenciado assim, sem mais nem menos, em qualquer canto. Diante da insistência dos amigos e de zombaria dos mais jovens em relação à sua descrença, terminou por concordar parcialmente. Mas, mantendo seu desinteresse, colocou a seguinte questão: “Digamos que vocês tenham razão, que os homens que estão nesta nave espacial, cheguem mesmo na lua, Digamos que esta máquina infernal seja de fato capaz de filmar e mostrar pra gente na horinha o que está acontecendo na Lua, mas eu pergunto: Há alguém de Caruaru nesta nave? Se não há, então porque todo este interesse de vocês por isto tudo?”
Naqueles tempos, não tão longínquos, o mundo para a grande maioria das pessoas terminava próximo ao horizonte. O que se passava nos lugares mesmos, com as pessoas conhecidas é que tinha importância. O que seu Inocêncio não poderia perceber, e por certo também todos ou quase todos que ali estavam, é que muito mais importante do que o simbolismo do homem descer na Lua, estava o fato de que naquele momento se rompiam as barreiras das distâncias, se inaugurava a simultaneidade global, se estabeleciam às condições tecnológicas para um novo modelo de acumulação.
Mas isto não seria ainda suficiente! Em 1989, 20 anos depois portanto, caiu o muro de Berlim. Um feito e um fato que simbolizava a vitória das democracias liberais num processo que já se construía há mais de uma década e que punha por terra todos os projetos de ditaduras, à esquerda e à direita do espectro ideológico e que abria fronteiras econômicas mesmo no mundo enigmático dos chineses. A queda do muro, há 20 anos, foi apenas mais um passo simbólico do que se construía em termos de condições políticas na escala global para que o sistema econômico “evoluísse” para o que convencionamos chamar de globalização.
De qualquer forma, foram mais uma vez 20 anos para que as condições de uma nova ordem fossem plenamente estabelecidas. Nestes últimos 20 anos, vivenciamos plenamente, portanto, a evolução do produto mais acabado do capitalismo financeiro e neles “o distante tornou-se próximo” , os fatos e feitos de todos e em todos os lugares passaram a fazer parte de nossos cotidianos, transmitidos ao vivo pela TV, discutidos à mesa do jantar, como se falássemos dos miados do novo gato da vizinha de porta. Neste tempo o consumismo exacerbou-se e tudo, graças aos créditos ilimitados, e as inúmeras possibilidades de trocas comerciais estabelecidas em escala planetária, tudo parecia estar ao alcance da mão e do bolso. O progresso parecia ilimitado e com o crescimento econômico nunca visto, as inovações tecnológicas cada vez mais fantásticas, a questão da redistribuição dos benefícios parecia apenas uma questão de tempo e de alguns ajustes internos em cada um dos paises.
Mas a África seguia à margem do processo, mas as injustiças sociais se avolumavam, mas as dissensões religiosas, étnicas e culturais se sublimavam e fermentavam os conflitos nos lugares, de toda forma estes também funcionais para o azeitamento do sistema. Até que o blefe foi revelado, até que a bolha explodisse e os limites ficassem à vista de todos, justamente no final de 2008, quando o ciclo de acumulação global, tal como agora se desenha, revelou seu esgotamento.
De bom, de fato, a afirmação das democracias em todos os lugares e as lutas por diretos e pela preservação dos recursos ambientais. Lutas, tão somente, que evoluem, mas ainda com poucos resultados, já que a acumulação desenfreada está sempre à frente nesta corrida sem fim. De lúcido, o aprendizado dos ideogramas chineses que representam a expressão crise, pela combinação dos ideogramas: problemas e oportunidades.
Chegamos assim a 2009, como se vivêssemos o fim de uma era, que levou vinte anos sendo parida e que durou vinte anos e que nos apresenta problemas muitos a serem superados e que podem representar a oportunidade do encontro com uma nova ordem internacional, mais justa e sustentável. Quem sabe, daqui a mais 20 anos conseguiremos construir bases mais sólidas desta nova ordem. Vamos ter esperança e mais que tudo, lutar por isto. 2009 pode e deve ser o ponto de partida!
Rio de janeiro, 06/01/2009
Alexandre Santos
2009 chegou pleno de presságios!
Estranhamente, pouco ouvi e, sobretudo, li neste último final de ano projeções e perspectivas alvissareiras de porvir. O papo é sempre: como resolver os imbróglios derivados dos acontecimentos do último trimestre de 2008? A crise na economia global, o estouro da bolha do mercado financeiro internacional, a queda no valor das commodities, os rearranjos no câmbio, a retração no crescimento da economia chinesa, as repercussões da crise em nosso país – um tsunami, segundo os analistas, uma marolinha, segundo o presidente.
Certamente, nem uma coisa nem outra, mas os efeitos se fazem sentir, no valor do dólar, na queda de nossa balança comercial, no achatamento dos preços do petróleo, do aço, do ferro, na diminuição das compras chinesas, americanas etc.
E, como se não bastassem as perplexidades na economia global, o governo, ou melhor seria o desgoverno de Israel, resolveu presentear o mundo neste final de ano, começo de outro, com uma chacina da população civil palestina na Faixa de Gaza, derrubando em minutos, os muitos esforços de pacificação daquela porção do planeta. Sementes de ódio distribuídas pelo ar, pelo mar e pela terra destinadas, sobretudo, a germinar mais ódios e dissensões, a fabricar mais lutas e terroristas suicidas, a nos mostrar os limites de nossas pretensões à paz. Tudo feito em nome de Deus.
E por aqui, como se não bastassem as interrogações em torno das repercussões da crise da economia global e o medo de que os ódios religiosos, étnicos, ou o que seja, que se disseminam desde o oriente médio atinjam nossa sociedade, existem tormentos concretos causados pelas chuvas de verão, que chegaram no começo da estação e estão afligindo extensos segmentos da população dos estados de Santa Catarina, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo e deixam um legado de desafios por superar. Mortes, desabrigo, doenças contagiosas, prejuízos materiais incontáveis, paralisação na produção industrial em alguns lugares e as chuvas que não cessam e deixam a alma triste como a paisagem.
A verdade é que o clima é de apreensão, mesmo que também seja, como sempre de renovação dos ciclos da vida e de esperanças de porvir. Quem sabe este ano patinho-feio não se transformará no cisne mais belo do lago e as coisas mudem de tal maneira que ao fim e ao cabo a superação dos desafios postos nos conduza a novos e mais sustentáveis caminhos. A uma nova ordem, como exigem alguns!
Do lado da esperança e destas novas possibilidades está a tão propalada posse de Obama. Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, um jovem de origem multiétnica, nascido no mais novo e mais longínquo estado americano, com um nome islâmico, um democrata ousado. Antes de tudo, um símbolo de mudança e, pelo menos, a esperança de uma nova e mais conseqüente postura dos arrogantes donos do poder global, em cujos intestinos fermenta a tal crise. Um nome novo, um homem novo, para conduzir uma mudança que tem de ser maior do que pode uma pessoa faze-lo. Será preciso uma mobilização mundial, que já se desenha, embora,ainda sem grandes resultados.
Pelo menos nos livramos do Senhor da Guerra. Já é um começo...
Entre nós, o discurso de grandeza e de esperança permanece na voz de nosso Lula, que, claro, não pode sair por ai apregoando dificuldades e não pode suprimir a esperança que ele, como ninguém sabe disseminar. Mas temo, que isto seja pouco se as coisas não mudarem mesmo mundo afora.
E tem as mudanças climáticas e tem as evidentes intempéries que precisam ser equacionadas de vez, sob pena da nossa querida biosfera abrir o bico e começar a cuspir tempestades, como já vem fazendo, a soprar ventos, a esgotar rios, a esturricar terras férteis sob o sol inclemente. Trata-se de uma missão formidável, onde todos, todos mesmo, precisam fazer a sua parte. É verdade que avançamos, é verdade que nos mobilizamos, mas temo que a urgência não nos permite ser mais condescendentes com soluções parciais.
Pois é, parece mesmo que estamos no limiar de uma nova era ou de uma nova ordem.
As eras nesses tempos duram poucos anos. Há 80 anos precisamente, mergulhávamos na mais profunda crise do então capitalismo moderno. O mundo quebrou e a partir dali foram vinte anos que se passaram na construção de um novo modelo de acumulação fundado na disseminação do estado de bem-estar, logo após o final da grande guerra. Foi necessária uma guerra de alcance planetário para que as novas bases do modelo e do sistema fossem estabelecidas.
Dali em diante e por vinte anos vivenciamos os anos dourados da acumulação capitalista nas nações ocidentais. Mas tudo isto era pouco, era preciso estender o manto a todo o planeta. A acumulação exigia mais!
Há 40 anos, justamente em 1969, fizemos nossa primeira transmissão via satélite para todo o planeta. Presenciávamos então a descida do homem na Lua. Pode se marcar aquele feito como o início desta era que agora exige um novo rumo.
Conta-se que em minha terra, lá pras bandas do Alto do Moura, em Caruaru, todo o povo da comunidade estava reunida em torno da única televisão, no boteco do Bil, para ver o feito memorável da humanidade. Apenas seu Inocêncio, um provecto e respeitado senhor, mantinha-se em sua mesa no canto do boteco a saborear sua Pitu. Diante da tal indiferença todos o convocavam insistentemente para ver o feito, para testemunhar a história. Ele, cético, desacreditava de tudo. De que o homem desceria na Lua, de qualquer coisa que passava na televisão (que não entendia bem) e de que tudo que ocorria naquele momento na Lua pudesse ser presenciado assim, sem mais nem menos, em qualquer canto. Diante da insistência dos amigos e de zombaria dos mais jovens em relação à sua descrença, terminou por concordar parcialmente. Mas, mantendo seu desinteresse, colocou a seguinte questão: “Digamos que vocês tenham razão, que os homens que estão nesta nave espacial, cheguem mesmo na lua, Digamos que esta máquina infernal seja de fato capaz de filmar e mostrar pra gente na horinha o que está acontecendo na Lua, mas eu pergunto: Há alguém de Caruaru nesta nave? Se não há, então porque todo este interesse de vocês por isto tudo?”
Naqueles tempos, não tão longínquos, o mundo para a grande maioria das pessoas terminava próximo ao horizonte. O que se passava nos lugares mesmos, com as pessoas conhecidas é que tinha importância. O que seu Inocêncio não poderia perceber, e por certo também todos ou quase todos que ali estavam, é que muito mais importante do que o simbolismo do homem descer na Lua, estava o fato de que naquele momento se rompiam as barreiras das distâncias, se inaugurava a simultaneidade global, se estabeleciam às condições tecnológicas para um novo modelo de acumulação.
Mas isto não seria ainda suficiente! Em 1989, 20 anos depois portanto, caiu o muro de Berlim. Um feito e um fato que simbolizava a vitória das democracias liberais num processo que já se construía há mais de uma década e que punha por terra todos os projetos de ditaduras, à esquerda e à direita do espectro ideológico e que abria fronteiras econômicas mesmo no mundo enigmático dos chineses. A queda do muro, há 20 anos, foi apenas mais um passo simbólico do que se construía em termos de condições políticas na escala global para que o sistema econômico “evoluísse” para o que convencionamos chamar de globalização.
De qualquer forma, foram mais uma vez 20 anos para que as condições de uma nova ordem fossem plenamente estabelecidas. Nestes últimos 20 anos, vivenciamos plenamente, portanto, a evolução do produto mais acabado do capitalismo financeiro e neles “o distante tornou-se próximo” , os fatos e feitos de todos e em todos os lugares passaram a fazer parte de nossos cotidianos, transmitidos ao vivo pela TV, discutidos à mesa do jantar, como se falássemos dos miados do novo gato da vizinha de porta. Neste tempo o consumismo exacerbou-se e tudo, graças aos créditos ilimitados, e as inúmeras possibilidades de trocas comerciais estabelecidas em escala planetária, tudo parecia estar ao alcance da mão e do bolso. O progresso parecia ilimitado e com o crescimento econômico nunca visto, as inovações tecnológicas cada vez mais fantásticas, a questão da redistribuição dos benefícios parecia apenas uma questão de tempo e de alguns ajustes internos em cada um dos paises.
Mas a África seguia à margem do processo, mas as injustiças sociais se avolumavam, mas as dissensões religiosas, étnicas e culturais se sublimavam e fermentavam os conflitos nos lugares, de toda forma estes também funcionais para o azeitamento do sistema. Até que o blefe foi revelado, até que a bolha explodisse e os limites ficassem à vista de todos, justamente no final de 2008, quando o ciclo de acumulação global, tal como agora se desenha, revelou seu esgotamento.
De bom, de fato, a afirmação das democracias em todos os lugares e as lutas por diretos e pela preservação dos recursos ambientais. Lutas, tão somente, que evoluem, mas ainda com poucos resultados, já que a acumulação desenfreada está sempre à frente nesta corrida sem fim. De lúcido, o aprendizado dos ideogramas chineses que representam a expressão crise, pela combinação dos ideogramas: problemas e oportunidades.
Chegamos assim a 2009, como se vivêssemos o fim de uma era, que levou vinte anos sendo parida e que durou vinte anos e que nos apresenta problemas muitos a serem superados e que podem representar a oportunidade do encontro com uma nova ordem internacional, mais justa e sustentável. Quem sabe, daqui a mais 20 anos conseguiremos construir bases mais sólidas desta nova ordem. Vamos ter esperança e mais que tudo, lutar por isto. 2009 pode e deve ser o ponto de partida!
Rio de janeiro, 06/01/2009
Alexandre Santos
2008.doc
Estamos às portas de 2008! Já é 2008 na Austrália, por exemplo.
Em 2008 comemora-se o bicentenário da chegada da família real ao Brasil, ou seja, a fundação mesma da Nação brasileira. Comemora-se o cinquentenário da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, os quarenta anos da revolução pacífica de 1968, que colocou o mundo diante das portas da pós-modernidade e os vinte anos de nossa constituição cidadã, que recolocou o país no rumo da democracía.
No mínimo um ano simbólico e pleno de expectativas de novos e bons fatos, novos e bons ciclos. 2007 termina com saldo, depois de saltos, sobressaltos e sustos. No planeta, no continente, na nação, na cidade, na família, na vida pessoal. Um ano de muitas lutas e muitas transformações. Em todas as escalas, indícios nervosos de mudanças, de recomeços, de novos cíclos. Em todos os corações as esperanças de que em 2008 os caminhos se definam e surjam mais luzes no fím dos túneis.
A progressiva e global consciência ecológica, o reconhecimento das ameaças das mudanças climáticas são fatos positivos que vêm marcando as transformações recentes em escala planetária, que podem nos levar a manter a esperança de que a humanidade tome juízo em futuro não tão distante. Todavia, se é possível perceber uma evolução no comportamento coletivo em relação ao habitat o mesmo não se pode dizer das recorrentes dissensões entre as pessoas que constituem essa humanidade.
O assassinato de Benazir Butho, no Paquistão, na última quinzena do ano é apenas mais um marco dos conflitos islâmicos que, se têm o fulcro no oriente médio, estendem-se incessantemente na direção da Ásia e da África e penetra como uma hera viçosa nos muros do mundo ocidental, apesar dos estertores malignos do Senhor da Guerra, G.W. Bush, que à frente do mais poderoso exército do planeta destrói e corrói a paz, acreditando ser capaz de impor sua cultura, seu domínio e seu Deus a todos os povos do planeta. Em sete anos destruiu o Afganistão e o Iraque – que apesar de não ter bomba nenhuma foi e está sendo principal cenário de tragédias onde tombam cotidianamente rebeldes, civis, mulheres, velhos, crianças e até um sem números de jovens soldados americanos. E Bin Laden também não estava lá, e Al Qaeda também não se rendeu, como não se renderam os Talibãs, e os muitos exercitos do Islã, de Maomé, de Alá que como o louco de cá, insistem em se destruir e corroer a paz do lado de lá, numa briga fraticida que parece não ter fim.
Por trás de tudo o petróleo e as distintas e nem tão conflituosas concepções de Deus.
Por aqui, pelo continente latinoamericano, surge e se afirma um novo lider de uma “isquierda revolucionária” que busco em Simon Bolivar sua inspiração e parece ainda nem ter chegado a 1968. Hugo Chavez o semi-ditador da Venezuela, também navegando sobre um mar de petróleo, cutuca, para satisfação de todos, o senhor de guerra com vara curta e para pânico geral patrocina a expansão de uma ideologia bolivariana pelos demais paises do continente, apoiando-se em conflitos étinicos adormecidos e latentes e semeando a dissenção e confronto entre os povos da Bolívia, do Equador, do Perú, da Argentina e da Colômbia, seu alvo atual, apoiando-se ainda numa suposta e mal resolvida aliança com as esquerdas chilena, brasilera e uruguaia, também pelo menos do ponto de vista formal desfrutando do domínio dos respectivos Estados. Como se promover o resgate de injustiças históricas e de confrontos e conflitos coloniais fossem nos colocar num novo edem de equidade e justiça social. Uma grande miscelânia ideológica e comportamental que captura os incautos e dá novos tons ao jogo de poder no continente.
2007 termina com um sensacional factoide que é apenas mais um emblema deste processo que pôe em cheque uma suposta e sempre instável harmonia política na América Latina e permite a expansão de um populismo que, se ameniza, está longe de efetivamente combater as causas dos abismos sociais herdados da colonização pelos paises do continente. Trata-se da libertação negociada por Chaves de três refens das FARCS que alinha Sarcozzi, o novo lider da direita francesa, ao eterno Fidel e reune observadores do mundo todo no miolo da floresta amazônica, num local e numa data ainda não definidos.
Ao lado dos conflitos intermináveis a União Européia afirma sua pujança, supera os conflitos étnicos, amplia-se e prepara-se para progressivamente retomar o timão da civilização ocidental, da civilização global. No extremo oriente, a China marcou encontro com o capitalismo global e expande sua economia e seu consumismo por cima de seu comunismo em velocidade nunca antes vista. A Africa, ainda esquecida dos deuses, recupera-se lentamente minada, de um lado, por conflitos étnicos recorrentes e pela expansão muçulmana desde o oriente médio e, de outro, pela cobiça do capital que conhece e explora as entranhas do continente em busca de suas muitas riquezas ali ainda adormecidas.
Cada vez mais, num mundo pequeno para tanta informação, convivemos com estes fatos em nosso cotidiano, da mesma forma como vemos os eventos esportivos e falamos com quem quisermos e onde quisermos a qualquer hora. Podemos assim, assistir de camarote ou até mesmo interagir com este processo de fragmentação paradoxal que em muito se assemelha a uma espécie de idade média pós-moderna. Incertezas sociais, conflitos étnicos e afirmações religiosas alimentam o ódio e a fragmentação da aldeia global, onde os impérios se esfarelam pouco a pouco e os Estados nacionais parecem perder espaços para outras instituições, grandes coprporações e pequenos guetos religiosos.
Por aqui, as coisas não foram tão mal, mas não estivemos a margem dos fatos do mundo. Ao contrário pegamos uma boa carona na expansão da economia global que se alimenta, justamente desse conflitos e paradoxos e permite a afirmação do único modelo ecômico conhecido pela humanidade, o da acumulação capitalista. Assim expandimos nossa economia abaixo do possível, mas muito acima do esperado. Fizemos o dever de casa liberal direitinho e mantivemos um crescimento sustentado sem inflação, honrando com presteza os “compromissos internacionais”.
Lula cumpriu seu sexto ano de governo, o primeiro do segundo mandato, e permanece nos braços do povo que acredita piamente que foi ele o único responsável pelos bons momentos. Com seu carisma formidável e falando errado, como seu próprio povo, sabe capitalizar os sucessos seus e os dos outros e espantar fracassos e decepções com seu partido e com sua gente, que segue corrompida e corrompendo, como se nada tivesse com isto. Não importa, importa o saldo de algumas conquistas populares e o barco no rumo certo, sem por em prática as bravatas que apregoa e sem envolver-se além da conta com a revolução bolivariana de Chaves. Importa é mais emprego, economia estável, o Bolsa Família que se cumpre propósitos assistencialistas e populistas, permite também a injeção de mais recursos na economia e avanços na distribuição da renda.
Contudo, nem tudo está certo, aliás muita coisa está errada: na infra-estrutra, o que pode representar um gargalo efetivo à saltos mais amplos de desenvolvimento em 2008, na educação das crianças e jovens, o que compromete nosso futuro, no aparato de atendimento a saúde da população, que parece involuir e na segurança pública, nosso mais grave problema e que afeta sobretudo a qualidade de vida em nossas maiores cidades.
Apesar de tudo nosso Rio de Janeiro continua lindo, com um verão radioso e caliente que ilumina os próximos momentos, com 600.000 turistas a juntar-se às comemorações da virada, numa corrente de energia que não há como superar. Apesar da insegurança a festa está pronta e deverá reunir, cerca de 2,5 milhões de pessoas na extensa orla da cidade. Assim chega 2008, como todos os anos com festas, fogos e esperanças e muitas responsabilidades para manter as conquistas e avanços, como a consciência ecológica ou expansão das oportunidades econômicas e do emprego aqui e mundo a fora, e com maiores responsabilidades para que os rumos dos processos de transformação de fato nos levem e menos fragmentações, menos conflitos étnicos e religiosos, mais telerância, menos sectarismo e muito mais paz e menos violência aqui e mundo a fora.
Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2007
Alexandre Santos
Estamos às portas de 2008! Já é 2008 na Austrália, por exemplo.
Em 2008 comemora-se o bicentenário da chegada da família real ao Brasil, ou seja, a fundação mesma da Nação brasileira. Comemora-se o cinquentenário da primeira Copa do Mundo conquistada pelo Brasil, os quarenta anos da revolução pacífica de 1968, que colocou o mundo diante das portas da pós-modernidade e os vinte anos de nossa constituição cidadã, que recolocou o país no rumo da democracía.
No mínimo um ano simbólico e pleno de expectativas de novos e bons fatos, novos e bons ciclos. 2007 termina com saldo, depois de saltos, sobressaltos e sustos. No planeta, no continente, na nação, na cidade, na família, na vida pessoal. Um ano de muitas lutas e muitas transformações. Em todas as escalas, indícios nervosos de mudanças, de recomeços, de novos cíclos. Em todos os corações as esperanças de que em 2008 os caminhos se definam e surjam mais luzes no fím dos túneis.
A progressiva e global consciência ecológica, o reconhecimento das ameaças das mudanças climáticas são fatos positivos que vêm marcando as transformações recentes em escala planetária, que podem nos levar a manter a esperança de que a humanidade tome juízo em futuro não tão distante. Todavia, se é possível perceber uma evolução no comportamento coletivo em relação ao habitat o mesmo não se pode dizer das recorrentes dissensões entre as pessoas que constituem essa humanidade.
O assassinato de Benazir Butho, no Paquistão, na última quinzena do ano é apenas mais um marco dos conflitos islâmicos que, se têm o fulcro no oriente médio, estendem-se incessantemente na direção da Ásia e da África e penetra como uma hera viçosa nos muros do mundo ocidental, apesar dos estertores malignos do Senhor da Guerra, G.W. Bush, que à frente do mais poderoso exército do planeta destrói e corrói a paz, acreditando ser capaz de impor sua cultura, seu domínio e seu Deus a todos os povos do planeta. Em sete anos destruiu o Afganistão e o Iraque – que apesar de não ter bomba nenhuma foi e está sendo principal cenário de tragédias onde tombam cotidianamente rebeldes, civis, mulheres, velhos, crianças e até um sem números de jovens soldados americanos. E Bin Laden também não estava lá, e Al Qaeda também não se rendeu, como não se renderam os Talibãs, e os muitos exercitos do Islã, de Maomé, de Alá que como o louco de cá, insistem em se destruir e corroer a paz do lado de lá, numa briga fraticida que parece não ter fim.
Por trás de tudo o petróleo e as distintas e nem tão conflituosas concepções de Deus.
Por aqui, pelo continente latinoamericano, surge e se afirma um novo lider de uma “isquierda revolucionária” que busco em Simon Bolivar sua inspiração e parece ainda nem ter chegado a 1968. Hugo Chavez o semi-ditador da Venezuela, também navegando sobre um mar de petróleo, cutuca, para satisfação de todos, o senhor de guerra com vara curta e para pânico geral patrocina a expansão de uma ideologia bolivariana pelos demais paises do continente, apoiando-se em conflitos étinicos adormecidos e latentes e semeando a dissenção e confronto entre os povos da Bolívia, do Equador, do Perú, da Argentina e da Colômbia, seu alvo atual, apoiando-se ainda numa suposta e mal resolvida aliança com as esquerdas chilena, brasilera e uruguaia, também pelo menos do ponto de vista formal desfrutando do domínio dos respectivos Estados. Como se promover o resgate de injustiças históricas e de confrontos e conflitos coloniais fossem nos colocar num novo edem de equidade e justiça social. Uma grande miscelânia ideológica e comportamental que captura os incautos e dá novos tons ao jogo de poder no continente.
2007 termina com um sensacional factoide que é apenas mais um emblema deste processo que pôe em cheque uma suposta e sempre instável harmonia política na América Latina e permite a expansão de um populismo que, se ameniza, está longe de efetivamente combater as causas dos abismos sociais herdados da colonização pelos paises do continente. Trata-se da libertação negociada por Chaves de três refens das FARCS que alinha Sarcozzi, o novo lider da direita francesa, ao eterno Fidel e reune observadores do mundo todo no miolo da floresta amazônica, num local e numa data ainda não definidos.
Ao lado dos conflitos intermináveis a União Européia afirma sua pujança, supera os conflitos étnicos, amplia-se e prepara-se para progressivamente retomar o timão da civilização ocidental, da civilização global. No extremo oriente, a China marcou encontro com o capitalismo global e expande sua economia e seu consumismo por cima de seu comunismo em velocidade nunca antes vista. A Africa, ainda esquecida dos deuses, recupera-se lentamente minada, de um lado, por conflitos étnicos recorrentes e pela expansão muçulmana desde o oriente médio e, de outro, pela cobiça do capital que conhece e explora as entranhas do continente em busca de suas muitas riquezas ali ainda adormecidas.
Cada vez mais, num mundo pequeno para tanta informação, convivemos com estes fatos em nosso cotidiano, da mesma forma como vemos os eventos esportivos e falamos com quem quisermos e onde quisermos a qualquer hora. Podemos assim, assistir de camarote ou até mesmo interagir com este processo de fragmentação paradoxal que em muito se assemelha a uma espécie de idade média pós-moderna. Incertezas sociais, conflitos étnicos e afirmações religiosas alimentam o ódio e a fragmentação da aldeia global, onde os impérios se esfarelam pouco a pouco e os Estados nacionais parecem perder espaços para outras instituições, grandes coprporações e pequenos guetos religiosos.
Por aqui, as coisas não foram tão mal, mas não estivemos a margem dos fatos do mundo. Ao contrário pegamos uma boa carona na expansão da economia global que se alimenta, justamente desse conflitos e paradoxos e permite a afirmação do único modelo ecômico conhecido pela humanidade, o da acumulação capitalista. Assim expandimos nossa economia abaixo do possível, mas muito acima do esperado. Fizemos o dever de casa liberal direitinho e mantivemos um crescimento sustentado sem inflação, honrando com presteza os “compromissos internacionais”.
Lula cumpriu seu sexto ano de governo, o primeiro do segundo mandato, e permanece nos braços do povo que acredita piamente que foi ele o único responsável pelos bons momentos. Com seu carisma formidável e falando errado, como seu próprio povo, sabe capitalizar os sucessos seus e os dos outros e espantar fracassos e decepções com seu partido e com sua gente, que segue corrompida e corrompendo, como se nada tivesse com isto. Não importa, importa o saldo de algumas conquistas populares e o barco no rumo certo, sem por em prática as bravatas que apregoa e sem envolver-se além da conta com a revolução bolivariana de Chaves. Importa é mais emprego, economia estável, o Bolsa Família que se cumpre propósitos assistencialistas e populistas, permite também a injeção de mais recursos na economia e avanços na distribuição da renda.
Contudo, nem tudo está certo, aliás muita coisa está errada: na infra-estrutra, o que pode representar um gargalo efetivo à saltos mais amplos de desenvolvimento em 2008, na educação das crianças e jovens, o que compromete nosso futuro, no aparato de atendimento a saúde da população, que parece involuir e na segurança pública, nosso mais grave problema e que afeta sobretudo a qualidade de vida em nossas maiores cidades.
Apesar de tudo nosso Rio de Janeiro continua lindo, com um verão radioso e caliente que ilumina os próximos momentos, com 600.000 turistas a juntar-se às comemorações da virada, numa corrente de energia que não há como superar. Apesar da insegurança a festa está pronta e deverá reunir, cerca de 2,5 milhões de pessoas na extensa orla da cidade. Assim chega 2008, como todos os anos com festas, fogos e esperanças e muitas responsabilidades para manter as conquistas e avanços, como a consciência ecológica ou expansão das oportunidades econômicas e do emprego aqui e mundo a fora, e com maiores responsabilidades para que os rumos dos processos de transformação de fato nos levem e menos fragmentações, menos conflitos étnicos e religiosos, mais telerância, menos sectarismo e muito mais paz e menos violência aqui e mundo a fora.
Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 2007
Alexandre Santos
2003.doc
Estamos às portas de 2003. 2002, mal chegou e já passou e tantas coisas aconteceram e poucas coisas mudaram.
O arauto do apocalipse que governa o Império pôde, com o álibi do atentado ao Word Trade Center, arrasar o Afeganistão, abrir fogo diplomático contra o Iraque e atiçar os ódios dos seguidores de Alá.
Bin Laden, não foi encontrado, existiria ou seria apenas uma criação hollywoodiana?
Nunca tivemos tantos atentados em série, e mortes em série, notícias em série... e medo. Um medo: disfarçado, contido, irreal, como as imagens que todos os dias vemos e não sabemos distinguir sobre o que é e o que não é fantasia.
Como disse há algum tempo num versinho: “No louco movimento da humanidade, Paz é mera abstração, não sendo mais que utopia, é inverdade”.
A utopia perseguida e mais distante a cada novo dia. No mundo, no país, nas cidades, nos bairros, nas comunidades...
Vejo cada vez mais se concretizar um vaticínio exagerado e caricato que fiz desde os anos 80, a respeito do mundo do futuro, ou seja, o de hoje: caminhamos na direção de uma nova idade média, uma idade média pós-moderna. Algo que reproduziria numa escala atual a fragmentação do mundo que sucedeu à decadência e queda do Império Romano, quando, cada grupo, cada feudo, cada gueto, cada seita religiosa possuía uma vida única, própria, fechada, sujeita às suas próprias leis, e às suas estruturas próprias de subordinação e hierarquia social. A barbárie. A violência!!!
Depois disso, tantos foram os textos e os alertas para a fragmentação, face oposta da moeda globalização, que já sabíamos todos, mesmo sem recorrer à metáfora de uma idade média pós-moderna, que no seio da terra dos judeus, nasceria o ódio palestino; que das distinções culturais dos muçulmanos, germinariam as afirmações culturais de suas várias tribos; que na prosperidade européia do pós Euro vicejariam entre os jovens os movimentos punks e neo-nazistas; que entre os cristãos da Irlanda adviria o cisma; entre os pacifistas americanos pós 68 germinariam os patriotas amantes da guerra; que em meio à prosperidade tecnológica das cidades modernas abundariam os guetos miseráveis....
Tudo visto e revisto, olhado e comparado, fazendo germinar ódios irreversíveis, em cada porção de território, em cada nesga de sociedade.
Instala-se assim, progressivamente, o reinado do medo, da violência vivida e real e da violência vista e, de qualquer forma, sentida em nossas vísceras. Está em tudo o mundo e à nossa volta, em nosso cotidiano sempre. Convivemos com isto já, com a naturalidade necessária, e como medo, que nada resolve e se impõe.
Mas 2000, 2001, 2002, não vêm sendo apenas isto e também 2003 não haverá de sê-lo. Ao lado do medo renova-se sempre a esperança, registram-se sempre as conquistas. E não foram poucas as conquistas.
Pra começar ganhamos o campeonato mundial de futebol, pela quinta vez. Fomos Pentacampeões!! Alguns, a maioria, dos chefes do tráfico, nossos Bins Ladens, estão atrás das grades, sem, entretanto, perderem a pose e a voz de comando. A democracia, de uma maneira geral evoluiu, assim como as comunicações virtuais e em rede também.
(As redes, ah, as redes! Não as de embalar, nem de pescar, mas as de articular, de tornar cúmplice, de informar, de por em prontidão, de mobilizar os guetos todos, os feudos tantos do bem e do mal. As redes, ícones dos tempos pós-modernos!)
Aqui, deu baile e tal democracia. As eleições gerais mais limpas da história. O maior número de votantes dos tempos modernos. A eleição, para presidente, do metalúrgico Lula, tantas vezes candidato. Uma onda vermelha plena de esperanças e de pouco ou nenhum rancor. A transição inédita, tranqüila, civilizada. Carnavalileição!!. Tanta a festa que vem sendo, tanta alegria, tantas esperanças, como se até tudo estivesse perdido e fôssemos, finalmente, encontrar todas as saídas.
Às vésperas da posse já se sabe (mesmo os mais empedernidos ortodoxos) que o caminho afinal de contas é tortuoso mesmo e que as mudanças esperadas, mesmo as mais necessárias, terão que vir sem precipitação. As coisas caminham em seu próprio ritmo e não se resolvem questões sociais e de Estado com bravatas. O mais belo é que a maioria sabe muito bem disso: Desse limiar tênue entre utopia, realismo e frustração.
No mais a vida vai e as lições são aprendidas de forma lenta. O mundo fragmenta-se mais e mais. As cidades fracionam-se; a miséria multiplica-se, as crianças nascem, os velhos duram cada vez mais. E, ainda, se morre de fome. E, ainda, se sofre de tédio.
Mas a maioria dança, faz amor e canta a esperança da cura da Aids, da cura do câncer, do novo governo, da moralidade generalizada; de que passe um pouco de sensatez pela mente do bufão do Texas; de que o Iraque afinal de contas não tenha nenhuma arma de destruição em massa; de que o dólar se estabilize num patamar digno de nosso trabalho; de que os analistas de crédito das agências internacionais venham passar o carnaval aqui e fiquem e tenham filhos mulatos; de que a inflação não volte; de que os fogos que saúdem 2003 sejam ainda mais lindos do que nos anos anteriores, como sempre; de que as chuvas de verão não sejam maiores do que estas de final de primavera; e de que os guetos se calem ou falem, mas apenas discursos de paz.
Boa caminhada em 2003! Estarei a seu lado, espero...
Rio de Janeiro, ainda, em 16 de dezembro de 2002
Alexandre Santos
Estamos às portas de 2003. 2002, mal chegou e já passou e tantas coisas aconteceram e poucas coisas mudaram.
O arauto do apocalipse que governa o Império pôde, com o álibi do atentado ao Word Trade Center, arrasar o Afeganistão, abrir fogo diplomático contra o Iraque e atiçar os ódios dos seguidores de Alá.
Bin Laden, não foi encontrado, existiria ou seria apenas uma criação hollywoodiana?
Nunca tivemos tantos atentados em série, e mortes em série, notícias em série... e medo. Um medo: disfarçado, contido, irreal, como as imagens que todos os dias vemos e não sabemos distinguir sobre o que é e o que não é fantasia.
Como disse há algum tempo num versinho: “No louco movimento da humanidade, Paz é mera abstração, não sendo mais que utopia, é inverdade”.
A utopia perseguida e mais distante a cada novo dia. No mundo, no país, nas cidades, nos bairros, nas comunidades...
Vejo cada vez mais se concretizar um vaticínio exagerado e caricato que fiz desde os anos 80, a respeito do mundo do futuro, ou seja, o de hoje: caminhamos na direção de uma nova idade média, uma idade média pós-moderna. Algo que reproduziria numa escala atual a fragmentação do mundo que sucedeu à decadência e queda do Império Romano, quando, cada grupo, cada feudo, cada gueto, cada seita religiosa possuía uma vida única, própria, fechada, sujeita às suas próprias leis, e às suas estruturas próprias de subordinação e hierarquia social. A barbárie. A violência!!!
Depois disso, tantos foram os textos e os alertas para a fragmentação, face oposta da moeda globalização, que já sabíamos todos, mesmo sem recorrer à metáfora de uma idade média pós-moderna, que no seio da terra dos judeus, nasceria o ódio palestino; que das distinções culturais dos muçulmanos, germinariam as afirmações culturais de suas várias tribos; que na prosperidade européia do pós Euro vicejariam entre os jovens os movimentos punks e neo-nazistas; que entre os cristãos da Irlanda adviria o cisma; entre os pacifistas americanos pós 68 germinariam os patriotas amantes da guerra; que em meio à prosperidade tecnológica das cidades modernas abundariam os guetos miseráveis....
Tudo visto e revisto, olhado e comparado, fazendo germinar ódios irreversíveis, em cada porção de território, em cada nesga de sociedade.
Instala-se assim, progressivamente, o reinado do medo, da violência vivida e real e da violência vista e, de qualquer forma, sentida em nossas vísceras. Está em tudo o mundo e à nossa volta, em nosso cotidiano sempre. Convivemos com isto já, com a naturalidade necessária, e como medo, que nada resolve e se impõe.
Mas 2000, 2001, 2002, não vêm sendo apenas isto e também 2003 não haverá de sê-lo. Ao lado do medo renova-se sempre a esperança, registram-se sempre as conquistas. E não foram poucas as conquistas.
Pra começar ganhamos o campeonato mundial de futebol, pela quinta vez. Fomos Pentacampeões!! Alguns, a maioria, dos chefes do tráfico, nossos Bins Ladens, estão atrás das grades, sem, entretanto, perderem a pose e a voz de comando. A democracia, de uma maneira geral evoluiu, assim como as comunicações virtuais e em rede também.
(As redes, ah, as redes! Não as de embalar, nem de pescar, mas as de articular, de tornar cúmplice, de informar, de por em prontidão, de mobilizar os guetos todos, os feudos tantos do bem e do mal. As redes, ícones dos tempos pós-modernos!)
Aqui, deu baile e tal democracia. As eleições gerais mais limpas da história. O maior número de votantes dos tempos modernos. A eleição, para presidente, do metalúrgico Lula, tantas vezes candidato. Uma onda vermelha plena de esperanças e de pouco ou nenhum rancor. A transição inédita, tranqüila, civilizada. Carnavalileição!!. Tanta a festa que vem sendo, tanta alegria, tantas esperanças, como se até tudo estivesse perdido e fôssemos, finalmente, encontrar todas as saídas.
Às vésperas da posse já se sabe (mesmo os mais empedernidos ortodoxos) que o caminho afinal de contas é tortuoso mesmo e que as mudanças esperadas, mesmo as mais necessárias, terão que vir sem precipitação. As coisas caminham em seu próprio ritmo e não se resolvem questões sociais e de Estado com bravatas. O mais belo é que a maioria sabe muito bem disso: Desse limiar tênue entre utopia, realismo e frustração.
No mais a vida vai e as lições são aprendidas de forma lenta. O mundo fragmenta-se mais e mais. As cidades fracionam-se; a miséria multiplica-se, as crianças nascem, os velhos duram cada vez mais. E, ainda, se morre de fome. E, ainda, se sofre de tédio.
Mas a maioria dança, faz amor e canta a esperança da cura da Aids, da cura do câncer, do novo governo, da moralidade generalizada; de que passe um pouco de sensatez pela mente do bufão do Texas; de que o Iraque afinal de contas não tenha nenhuma arma de destruição em massa; de que o dólar se estabilize num patamar digno de nosso trabalho; de que os analistas de crédito das agências internacionais venham passar o carnaval aqui e fiquem e tenham filhos mulatos; de que a inflação não volte; de que os fogos que saúdem 2003 sejam ainda mais lindos do que nos anos anteriores, como sempre; de que as chuvas de verão não sejam maiores do que estas de final de primavera; e de que os guetos se calem ou falem, mas apenas discursos de paz.
Boa caminhada em 2003! Estarei a seu lado, espero...
Rio de Janeiro, ainda, em 16 de dezembro de 2002
Alexandre Santos
2002.doc
2002 chegou como vindo de um furacão, menos do que esperanças, traz expectativas, traz medos, traz perplexidades. Todos, é claro, esperam sempre dias melhores, todos, é claro, falam de paz, todos falam em uníssono palavras de alegria...mas, no fundo têm a certeza que a escolha declarada pela ética, pela razão, pela solidariedade esta longe de seus poderes alcançar. Curioso é que ninguém é mau, ninguém defende posições contra o ser humano, contra o ambiente, contra a ética, contra a moral. Todos, invariavelmente, situam-se como pessoas tolerantes. A culpa é sempre do outro, ou melhor, dos outros. A verdade é que a ganância, a cupidez, a intolerância, a insensatez coletiva prevalecem sempre, malgrado as escolhas individuais. Que digam os fatos de 2001.
2001 passou como o próprio furacão e trouxe demonstrações claras da cristalização dos processos que estavam, latentes, fermentando as almas e corações atormentados. Revelou mais do que o incômodo da violência cotidiana, mais do que as fraquezas de um sistema econômico perverso, muito mais do que estávamos acostumados ou preparados para saber, mesmo que jamais tenhamos deixado de sabê-lo. Revelou, por exemplo, que apesar do mundo ser cada mais uma aldeia global, onde todos se comunicam e se referenciam a um universo muito mais amplo do que seu próprio horizonte, não há uma lógica global, um código de ética global, um conjunto de verdades globais.
Por isso, todos têm medo, por isso se tem cuidado ao se ter esperança.
O bem e o mal foram de tal forma relativizados em 2001 e de tal forma foram revelados ao julgamento de cada um que, cada um sente-se no todo e sente o todo e por todos o temor. Nunca as telas das TVs, que estão em quase todos os lares, foram tão pródigas em notícias eloqüentes, nunca tivemos tanta oportunidade de viver e partilhar a tragédia humana, com tanta veemência. E, o que os olhos vêem o coração sente.
Em 2001, houve um 11 de setembro diferente de todos os outros milhares de onzes de setembros de antes e depois do Cristo. Neste 11 de setembro particular, o mundo, em pleno signo da ordem, pôs-se em desordem. Os conflitos cotidianos que marcaram o final do milênio, mantendo acesa a chama da guerra em nome de Deus para que as máquinas não parem, mudaram de feição.
Nele, as guerras longínquas, que víamos e vivíamos virtualmente, bateu às portas da capital do mundo ocidental. Nova York foi atacada, como nas ficções a que já estávamos acostumados, por terroristas fundamentalistas do Islã. Justiceiros suicidas que descobriram nova forma de morrer e de matar. As Torres Gêmeas, símbolo máximo do capitalismo mundializado, foram derrubadas em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Washington, capital da maior potência mundial, foi atacada da mesma forma e ao mesmo tempo. O Pentágono, símbolo máximo do poderio bélico norte americano, foi derrubado em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Num átimo descobriu-se que o rei estava nu. Num átimo todos os ocidentais descobriram, que para além de resistências islâmicas nas zonas de conflito da Europa e do Oriente Médio, havia muito mais ódio enquistado e havia um mundo inteiro, cheio de verdades que não são as ocidentais, pronto para agir e se preciso matar.
Em menos de meia hora mudou a história, mudou a perspectiva de olhar a história.
Não houve o apocalipse anunciado, a não ser, por certo, para quem lá estava e morreu no ato, certo de que o mundo estava mesmo se acabando. Tal o susto, tanto o fogo, tantas as mortes.
A este momento insano, sucederam-se outros de igual insensatez. A descoberta de que um homem, comandando outros, todos fanáticos por sua crença em um Deus tão poderoso que lhes movia para a morte sorridentes, fez-nos antever as trevas de uma nova idade. Instalou-se uma guerra global e tribal simultaneamente. Para caçar este homem, ainda não encontrado, destrui-se um país inteiro com bombas de US$ 1 milhão jogadas aos milhares. A sociedade judaico-cristã mostrou sua força, suas garras, seus dentes. O Islã revelou-se um mundo à parte, fragmentado, raivoso, triste, oprimido e opressor.
Tudo estava ali latente no início do milênio. Latente e distante como um filme de ficção. De repente, o distante tornou-se próximo. De repente, como diria o poeta, não mais que de repente.
2002 chega, portanto, sob o signo de uma guerra sem fronteiras e sem Estados. Uma guerra do bem contra o mal ou do mal contra o bem, dependendo do ponto de vista de quem olha, de quem vive, de quem está na guerra, de quem assiste a guerra.
Nós aqui, espectadores, continuamos com nossas idiossincrasias. Perplexos com as notícias que nos fazem chegar, ver, lamentar. Nunca, nos tempos pós-modernos, a notícia foi tão lapidada, maquiada, revista, para que nós não nos esqueçamos de nossa própria identidade e de que lado estamos.
Além da guerra lá, novas perplexidades foram notícia ca. A Argentina, tão altaneira, acabou-se nos fluxos financeiros da globalização. Sucumbiu como uma província qualquer, fazendo lembrar a nós, a todos os latinos, nossas fragilidades. A Europa inaugura 2002 com uma moeda continental, na luta secular para se destribalizar. Conseguira? A Austrália, centro da Oceania, pega fogo há semanas. E, a África, de tão miserável, de tão marginal, foi definitivamente esquecida pelos noticiários. Não há mais o problema africano, já que há muito mais o que ocupar nos noticiários mundiais. E apesar disso o Rio de Janeiro continua lindo, malgrado as chuvas e as mortes de verão. Como a aparência vale mais do que a essência...
A palavra de ordem neste início de 2002 é PAZ, sempre se falou em paz, sempre se buscou a paz, mas justamente a falta de paz é o que mais incomoda a todos.
Trata-se da falta de paz na vida cotidiana das pessoas, das famílias, nas ruas, nas praças, nos bairros, nas comunidades, nas cidades, nos países, nos continentes, entre os distintos mundos e as distintas verdades. Uma falta que decorre, para muitos, das impossibilidades de inclusão social dos outros, os que, justamente, rompem a paz dos incluídos, dos que lutam e trabalham e crêem e conseguem explicar e até se solidarizar com a atitude dos seus algozes, mas, ainda assim, algozes. Para outros, trata-se apenas de uma falta de tolerância e de capacidade de entender o outro e que um gesto de conforto, um abraço, pode trazer o excluído para um caminho onde ambos encontrem a paz. Para outros, ainda, o que prevalece para além do desejo de paz, é uma cultura de guerra, de violência, de impor soluções e idéias aos outros, os que não podem nem mesmo se expressar a não ser pela própria violência. Claro, todos têm razão, pelo menos um pouco de razão.
Mas afinal, se todos sabem pelo menos uma parte das respostas, quem perturba a paz?! O que impede que a paz realmente se estabeleça, que as pessoas todas, da família ao planeta, vivam em paz?
Por mim, o apelo para trilhar, com alegria e tolerância, o caminho da solidariedade e da comunhão com o meio ambiente e com os desvalidos deste mundo, continua de pé. Muito se falou e pouco se caminhou nesta direção em 2001...quem sabe 2002, nos traga esta oportunidade, a real oportunidade de paz, vamos tentar outra vez?!
Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 2002
Alexandre Santos
2002 chegou como vindo de um furacão, menos do que esperanças, traz expectativas, traz medos, traz perplexidades. Todos, é claro, esperam sempre dias melhores, todos, é claro, falam de paz, todos falam em uníssono palavras de alegria...mas, no fundo têm a certeza que a escolha declarada pela ética, pela razão, pela solidariedade esta longe de seus poderes alcançar. Curioso é que ninguém é mau, ninguém defende posições contra o ser humano, contra o ambiente, contra a ética, contra a moral. Todos, invariavelmente, situam-se como pessoas tolerantes. A culpa é sempre do outro, ou melhor, dos outros. A verdade é que a ganância, a cupidez, a intolerância, a insensatez coletiva prevalecem sempre, malgrado as escolhas individuais. Que digam os fatos de 2001.
2001 passou como o próprio furacão e trouxe demonstrações claras da cristalização dos processos que estavam, latentes, fermentando as almas e corações atormentados. Revelou mais do que o incômodo da violência cotidiana, mais do que as fraquezas de um sistema econômico perverso, muito mais do que estávamos acostumados ou preparados para saber, mesmo que jamais tenhamos deixado de sabê-lo. Revelou, por exemplo, que apesar do mundo ser cada mais uma aldeia global, onde todos se comunicam e se referenciam a um universo muito mais amplo do que seu próprio horizonte, não há uma lógica global, um código de ética global, um conjunto de verdades globais.
Por isso, todos têm medo, por isso se tem cuidado ao se ter esperança.
O bem e o mal foram de tal forma relativizados em 2001 e de tal forma foram revelados ao julgamento de cada um que, cada um sente-se no todo e sente o todo e por todos o temor. Nunca as telas das TVs, que estão em quase todos os lares, foram tão pródigas em notícias eloqüentes, nunca tivemos tanta oportunidade de viver e partilhar a tragédia humana, com tanta veemência. E, o que os olhos vêem o coração sente.
Em 2001, houve um 11 de setembro diferente de todos os outros milhares de onzes de setembros de antes e depois do Cristo. Neste 11 de setembro particular, o mundo, em pleno signo da ordem, pôs-se em desordem. Os conflitos cotidianos que marcaram o final do milênio, mantendo acesa a chama da guerra em nome de Deus para que as máquinas não parem, mudaram de feição.
Nele, as guerras longínquas, que víamos e vivíamos virtualmente, bateu às portas da capital do mundo ocidental. Nova York foi atacada, como nas ficções a que já estávamos acostumados, por terroristas fundamentalistas do Islã. Justiceiros suicidas que descobriram nova forma de morrer e de matar. As Torres Gêmeas, símbolo máximo do capitalismo mundializado, foram derrubadas em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Washington, capital da maior potência mundial, foi atacada da mesma forma e ao mesmo tempo. O Pentágono, símbolo máximo do poderio bélico norte americano, foi derrubado em fração de minutos, deixando a morte e a devastação em seu rastro. Num átimo descobriu-se que o rei estava nu. Num átimo todos os ocidentais descobriram, que para além de resistências islâmicas nas zonas de conflito da Europa e do Oriente Médio, havia muito mais ódio enquistado e havia um mundo inteiro, cheio de verdades que não são as ocidentais, pronto para agir e se preciso matar.
Em menos de meia hora mudou a história, mudou a perspectiva de olhar a história.
Não houve o apocalipse anunciado, a não ser, por certo, para quem lá estava e morreu no ato, certo de que o mundo estava mesmo se acabando. Tal o susto, tanto o fogo, tantas as mortes.
A este momento insano, sucederam-se outros de igual insensatez. A descoberta de que um homem, comandando outros, todos fanáticos por sua crença em um Deus tão poderoso que lhes movia para a morte sorridentes, fez-nos antever as trevas de uma nova idade. Instalou-se uma guerra global e tribal simultaneamente. Para caçar este homem, ainda não encontrado, destrui-se um país inteiro com bombas de US$ 1 milhão jogadas aos milhares. A sociedade judaico-cristã mostrou sua força, suas garras, seus dentes. O Islã revelou-se um mundo à parte, fragmentado, raivoso, triste, oprimido e opressor.
Tudo estava ali latente no início do milênio. Latente e distante como um filme de ficção. De repente, o distante tornou-se próximo. De repente, como diria o poeta, não mais que de repente.
2002 chega, portanto, sob o signo de uma guerra sem fronteiras e sem Estados. Uma guerra do bem contra o mal ou do mal contra o bem, dependendo do ponto de vista de quem olha, de quem vive, de quem está na guerra, de quem assiste a guerra.
Nós aqui, espectadores, continuamos com nossas idiossincrasias. Perplexos com as notícias que nos fazem chegar, ver, lamentar. Nunca, nos tempos pós-modernos, a notícia foi tão lapidada, maquiada, revista, para que nós não nos esqueçamos de nossa própria identidade e de que lado estamos.
Além da guerra lá, novas perplexidades foram notícia ca. A Argentina, tão altaneira, acabou-se nos fluxos financeiros da globalização. Sucumbiu como uma província qualquer, fazendo lembrar a nós, a todos os latinos, nossas fragilidades. A Europa inaugura 2002 com uma moeda continental, na luta secular para se destribalizar. Conseguira? A Austrália, centro da Oceania, pega fogo há semanas. E, a África, de tão miserável, de tão marginal, foi definitivamente esquecida pelos noticiários. Não há mais o problema africano, já que há muito mais o que ocupar nos noticiários mundiais. E apesar disso o Rio de Janeiro continua lindo, malgrado as chuvas e as mortes de verão. Como a aparência vale mais do que a essência...
A palavra de ordem neste início de 2002 é PAZ, sempre se falou em paz, sempre se buscou a paz, mas justamente a falta de paz é o que mais incomoda a todos.
Trata-se da falta de paz na vida cotidiana das pessoas, das famílias, nas ruas, nas praças, nos bairros, nas comunidades, nas cidades, nos países, nos continentes, entre os distintos mundos e as distintas verdades. Uma falta que decorre, para muitos, das impossibilidades de inclusão social dos outros, os que, justamente, rompem a paz dos incluídos, dos que lutam e trabalham e crêem e conseguem explicar e até se solidarizar com a atitude dos seus algozes, mas, ainda assim, algozes. Para outros, trata-se apenas de uma falta de tolerância e de capacidade de entender o outro e que um gesto de conforto, um abraço, pode trazer o excluído para um caminho onde ambos encontrem a paz. Para outros, ainda, o que prevalece para além do desejo de paz, é uma cultura de guerra, de violência, de impor soluções e idéias aos outros, os que não podem nem mesmo se expressar a não ser pela própria violência. Claro, todos têm razão, pelo menos um pouco de razão.
Mas afinal, se todos sabem pelo menos uma parte das respostas, quem perturba a paz?! O que impede que a paz realmente se estabeleça, que as pessoas todas, da família ao planeta, vivam em paz?
Por mim, o apelo para trilhar, com alegria e tolerância, o caminho da solidariedade e da comunhão com o meio ambiente e com os desvalidos deste mundo, continua de pé. Muito se falou e pouco se caminhou nesta direção em 2001...quem sabe 2002, nos traga esta oportunidade, a real oportunidade de paz, vamos tentar outra vez?!
Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 2002
Alexandre Santos
2001.doc
2001 chegou com festas, saudando a passagem do ano, da década, do século e do milênio. De tão esperado que era, chegou quase sem novidade, como um ano qualquer: convulsionado, tenso, furtivo, como vem sendo este tempo de mudanças.
Neste tempo, o mundo tornou-se uma aldeia, antes mesmo do que previra Macluhan. A evolução e revolução dos meios de comunicação transformaram nossas vidas pouco a pouco. Num átimo, passamos a achar natural assistir direto, ao vivo, da poltrona de nossa sala, a quebra de um recorde esportivo que acontecia do outro lado do mundo no dia seguinte ou as cenas de um terremoto que víamos na hora do jantar e estava acontecendo naquela manhã num pedaço de costa do Pacífico. Os “cérebros eletrônicos” experimentados no fim da guerra, no meio do século e que iniciaram sua popularização nos 70, tomaram conta da vida de cada um, tornado-se acessório indispensável ao trabalho e ao lazer. A conjugação destas duas revoluções nos proporcionou conhecer e conviver intensamente, ainda nos 90, com uma nova e inseparável companheira, a Internet, uma rede que nos pescou e nos impôs outro ritmo às vidas, outros termos ao vocabulário e valores comuns para interpretarmos as coisas.
Toda uma reformulação do ser, do poder ser, do crer, do viver passou sob meu nariz nestes últimos cinqüenta anos, os meus, com a mesma naturalidade da semente que rompe a casca, germina, torna-se broto, vira planta, dá folhas e frutos e lança outras sementes sobre a terra nua, no tempo entre duas estações.
2001 vinha chegando todo o tempo e quando chegou não era novidade. Como não eram novidades os sentimentos das pessoas, sempre os mesmos desde o início dos tempos, como não eram novidades os pecados, capitais e mortais, desde o início dos tempos, os mesmos.
As perguntas muitas delas respondidas pelo conhecimento, a cada dia mais refinado e amplo, geravam outras, cada dia mais complexas e inquietantes. A não resposta a todas elas continuava deixando um espaço vazio entre a racionalidade e a metafísica.
A tolerância continua um bem raro e, na falta de outros motivos, os seres humanos continuam a pelejar por qualquer causa ou dissensão. O novo mundo era velho, sobre muitos aspectos, embora mais conhecido, decifrado e com embalagem cada vez mais reluzente.
Agora não precisávamos mais de recorrer aos textos sagrados e ao saber erudito para sabermos um pouco sobre o conflito secular entre muçulmanos e judeus, podemos assisti-los matando-se todos os dias nas ruas de Jerusalém. Da mesma forma que muçulmanos e cristãos continuam pelejando nas fluidas fronteiras da Europa, ou, entre cristãos, protestantes e católicos disputam uma certa e inexplicável hegemonia no norte da ilha da rainha. Podemos assisti-los matando-se em todos os rincões, em nome de Deus, do Deus de cada um e que, cada um, ainda, pretende que seja melhor que o do outro.
Agora não precisamos ser iniciados em história para sabermos que a África é um continente esquecido pela humanidade e relegado a um plano marginal no consumo dos benefícios tecnológicos do desenvolvimento, podemos assistir seus povos sendo cotidianamente dizimados pela fome, pela miséria, pelas guerras tribais, pelos artefatos de guerras passadas esquecidos nas savanas, pelas doenças novas que ali nascem, como o próprio ser humano parece ali ter nascido, a dali se propagam para nos apresentar novas e mais eficazes e cruéis formas de morrer.
Agora não podemos esconder a vergonha dos contrastes sociais dos países latino-americanos, do Brasil, das nossas cidades. A violência cotidiana decorrente da pobreza extrema e da miséria à que estão condenados desde o nascimento muitos de nossos irmãos e irmãs, nos é noticiada de tal forma e tão intensamente que tornamo-nos indiferentes às manifestações diárias deste processo, com o qual também convivemos no mundo real, tropeçamos em nosso dia a dia. Assustamo-nos com a notícia, com a imagem virtual e ignoramos a imagem real, numa indecifrável confusão entre o que é e o que parece ser.
A fantasia confunde-se com a realidade, como a aparência parece sobrepor-se à essência, cada vez mais neste novo tempo.
Com 2001 o novo milênio chegou, mas já havia chegado, esteve aqui sempre incorporando-se ao nosso cotidiano, como a luz do sol, que nasce todos os dias ou o negror da noite que cobre a existência e marca a passagem das horas desde o início dos tempos. Somos dia e noite todo o tempo. E todo tempo vemos ressurgir a esperança “porque esperança é só coisa boa”.
De um lado, vemos ressurgir a solidariedade como um caminho para a superação de velhas idiossincrasias. De outro, vemos se afirmar a cupidez, como forma de manter as coisas como estão. De um lado, vemos a pregação da tolerância e da ética e repetimos a ladainha com as mil vozes e pelos milhões de meios que hoje temos disponíveis e de outro, vemos prevalecer a ganância, a inveja e a falta da mesma ética tão apregoada.
2001 não é a novidade da odisséia no espaço. Já fomos até lá, continuamos indo, e ainda deixamos para traz muitas respostas. 2001, também, não nos trouxe a tão apregoada ressurreição ou o juízo final. Trouxe-nos isto sim, já nos havia trazido, em telas de cristal líquido com cores e sons indiscutivelmente belos e reais, a tragédia humana para ser partilhada por todos.
Lega-se para 2001 dois caminhos definitivos para o milênio que se inicia: o cinismo e a indiferença diante do que não mais podemos ignorar embaralhando-nos cada vez mais na confusão entre o real e o virtual, o conveniente e o incômodo, ou, como outra alternativa, a disposição real para reconhecer que não passamos de um grupo de seres irmanados pelo mesmo mistério de existência concreta confinada entre a vida e a morte, condenados a sobreviver numa biosfera de recursos finitos, cujo o grande desafio será administrá-la de forma a dela retirar apenas o necessário à conquista da felicidade para todos, nesta e nas próximas gerações.
Parece uma escolha simples, a resposta mesma parece obvia. Apenas parece.
O legado de 2001 também não é novo e está ai presente, pelo menos desde que se descobriu que a Terra era redonda e que caminhando sempre em frente conseguiríamos chegar no mesmo lugar de onde partíramos. Lugar de onde, desde então, nem voltamos a partir ou, se partimos, para onde temos sempre voltado.
Esta na hora de empreendermos uma nova jornada, possivelmente, na direção deste segundo caminho jamais trilhado coletivamente. Talvez se começarmos a caminhar, mesmo que passo a passo, mesmo que cada um consigamos formar um grande cordão e alcancemos juntos um lugar novo, a mudança esperada, a boa nova de 2001...Vamos?
Rio de Janeiro, 03/ janeiro / 2001
Alexandre Santos
2001 chegou com festas, saudando a passagem do ano, da década, do século e do milênio. De tão esperado que era, chegou quase sem novidade, como um ano qualquer: convulsionado, tenso, furtivo, como vem sendo este tempo de mudanças.
Neste tempo, o mundo tornou-se uma aldeia, antes mesmo do que previra Macluhan. A evolução e revolução dos meios de comunicação transformaram nossas vidas pouco a pouco. Num átimo, passamos a achar natural assistir direto, ao vivo, da poltrona de nossa sala, a quebra de um recorde esportivo que acontecia do outro lado do mundo no dia seguinte ou as cenas de um terremoto que víamos na hora do jantar e estava acontecendo naquela manhã num pedaço de costa do Pacífico. Os “cérebros eletrônicos” experimentados no fim da guerra, no meio do século e que iniciaram sua popularização nos 70, tomaram conta da vida de cada um, tornado-se acessório indispensável ao trabalho e ao lazer. A conjugação destas duas revoluções nos proporcionou conhecer e conviver intensamente, ainda nos 90, com uma nova e inseparável companheira, a Internet, uma rede que nos pescou e nos impôs outro ritmo às vidas, outros termos ao vocabulário e valores comuns para interpretarmos as coisas.
Toda uma reformulação do ser, do poder ser, do crer, do viver passou sob meu nariz nestes últimos cinqüenta anos, os meus, com a mesma naturalidade da semente que rompe a casca, germina, torna-se broto, vira planta, dá folhas e frutos e lança outras sementes sobre a terra nua, no tempo entre duas estações.
2001 vinha chegando todo o tempo e quando chegou não era novidade. Como não eram novidades os sentimentos das pessoas, sempre os mesmos desde o início dos tempos, como não eram novidades os pecados, capitais e mortais, desde o início dos tempos, os mesmos.
As perguntas muitas delas respondidas pelo conhecimento, a cada dia mais refinado e amplo, geravam outras, cada dia mais complexas e inquietantes. A não resposta a todas elas continuava deixando um espaço vazio entre a racionalidade e a metafísica.
A tolerância continua um bem raro e, na falta de outros motivos, os seres humanos continuam a pelejar por qualquer causa ou dissensão. O novo mundo era velho, sobre muitos aspectos, embora mais conhecido, decifrado e com embalagem cada vez mais reluzente.
Agora não precisávamos mais de recorrer aos textos sagrados e ao saber erudito para sabermos um pouco sobre o conflito secular entre muçulmanos e judeus, podemos assisti-los matando-se todos os dias nas ruas de Jerusalém. Da mesma forma que muçulmanos e cristãos continuam pelejando nas fluidas fronteiras da Europa, ou, entre cristãos, protestantes e católicos disputam uma certa e inexplicável hegemonia no norte da ilha da rainha. Podemos assisti-los matando-se em todos os rincões, em nome de Deus, do Deus de cada um e que, cada um, ainda, pretende que seja melhor que o do outro.
Agora não precisamos ser iniciados em história para sabermos que a África é um continente esquecido pela humanidade e relegado a um plano marginal no consumo dos benefícios tecnológicos do desenvolvimento, podemos assistir seus povos sendo cotidianamente dizimados pela fome, pela miséria, pelas guerras tribais, pelos artefatos de guerras passadas esquecidos nas savanas, pelas doenças novas que ali nascem, como o próprio ser humano parece ali ter nascido, a dali se propagam para nos apresentar novas e mais eficazes e cruéis formas de morrer.
Agora não podemos esconder a vergonha dos contrastes sociais dos países latino-americanos, do Brasil, das nossas cidades. A violência cotidiana decorrente da pobreza extrema e da miséria à que estão condenados desde o nascimento muitos de nossos irmãos e irmãs, nos é noticiada de tal forma e tão intensamente que tornamo-nos indiferentes às manifestações diárias deste processo, com o qual também convivemos no mundo real, tropeçamos em nosso dia a dia. Assustamo-nos com a notícia, com a imagem virtual e ignoramos a imagem real, numa indecifrável confusão entre o que é e o que parece ser.
A fantasia confunde-se com a realidade, como a aparência parece sobrepor-se à essência, cada vez mais neste novo tempo.
Com 2001 o novo milênio chegou, mas já havia chegado, esteve aqui sempre incorporando-se ao nosso cotidiano, como a luz do sol, que nasce todos os dias ou o negror da noite que cobre a existência e marca a passagem das horas desde o início dos tempos. Somos dia e noite todo o tempo. E todo tempo vemos ressurgir a esperança “porque esperança é só coisa boa”.
De um lado, vemos ressurgir a solidariedade como um caminho para a superação de velhas idiossincrasias. De outro, vemos se afirmar a cupidez, como forma de manter as coisas como estão. De um lado, vemos a pregação da tolerância e da ética e repetimos a ladainha com as mil vozes e pelos milhões de meios que hoje temos disponíveis e de outro, vemos prevalecer a ganância, a inveja e a falta da mesma ética tão apregoada.
2001 não é a novidade da odisséia no espaço. Já fomos até lá, continuamos indo, e ainda deixamos para traz muitas respostas. 2001, também, não nos trouxe a tão apregoada ressurreição ou o juízo final. Trouxe-nos isto sim, já nos havia trazido, em telas de cristal líquido com cores e sons indiscutivelmente belos e reais, a tragédia humana para ser partilhada por todos.
Lega-se para 2001 dois caminhos definitivos para o milênio que se inicia: o cinismo e a indiferença diante do que não mais podemos ignorar embaralhando-nos cada vez mais na confusão entre o real e o virtual, o conveniente e o incômodo, ou, como outra alternativa, a disposição real para reconhecer que não passamos de um grupo de seres irmanados pelo mesmo mistério de existência concreta confinada entre a vida e a morte, condenados a sobreviver numa biosfera de recursos finitos, cujo o grande desafio será administrá-la de forma a dela retirar apenas o necessário à conquista da felicidade para todos, nesta e nas próximas gerações.
Parece uma escolha simples, a resposta mesma parece obvia. Apenas parece.
O legado de 2001 também não é novo e está ai presente, pelo menos desde que se descobriu que a Terra era redonda e que caminhando sempre em frente conseguiríamos chegar no mesmo lugar de onde partíramos. Lugar de onde, desde então, nem voltamos a partir ou, se partimos, para onde temos sempre voltado.
Esta na hora de empreendermos uma nova jornada, possivelmente, na direção deste segundo caminho jamais trilhado coletivamente. Talvez se começarmos a caminhar, mesmo que passo a passo, mesmo que cada um consigamos formar um grande cordão e alcancemos juntos um lugar novo, a mudança esperada, a boa nova de 2001...Vamos?
Rio de Janeiro, 03/ janeiro / 2001
Alexandre Santos
terça-feira, 22 de julho de 2008
COPACABANA - um conto da passagem do milênio
Chegara enfim ao século XXI. Vivia só naquele pequeno apartamento, na sua amada Copacabana, bairro aonde morava há mais de 40 anos. Os filhos dispersaram-se pelos caminhos e o encontravam em datas festivas e mesmo assim eventualmente, já que não viviam na cidade e tinham lá suas responsabilidades. Felizmente, não dependia deles. Tinha seu cantinho e a aposentadoria, que dava para pagar os remédios, o choppinho, ainda, e as refeições parcas. Às vezes até conseguia economizar algum para ir visitar os netos. Coisa cada vez mais rara, já que eles também não eram mais crianças e também tinham suas vidas em construção.
Com exceção de um ou outro problema crônico e próprio da idade, quase oitenta anos, tinha uma saúde relativamente boa, aparência razoável e, sobretudo, alegria de viver. O sol, a praia cotidiana, as caminhadas diárias, as braçadas no mar e até uma ou outra partidinha de vôlei lhe asseguravam isto.
De modo que vivia ali, com suas recordações, lembranças já meio apagadas da companheira que havia partido há mais de dez anos, e com os amigos da geração, que cada vez mais eram também lembranças. Restavam poucos, cada um com suas mazelas, mas, pelo menos com aqueles que como ele viviam em Copacabana, sempre era possível umas boas risadas, um joguinho nas mesinhas do Lido, os goles nos botecos da Prado Junior, a visão das belas e a evolução, ou involução, formidável das indumentárias, em especial no verão. Havia dois amigos inseparáveis, desenvolveram-se profissionalmente juntos, eram praticamente vizinhos e, além disso, em comum tinham a solidão e o modo de vida. Quando estavam juntos, não havia solidão, quando estavam juntos havia um pouco mais de juventude.
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Conheceram-se no Leme Tênis Clube em meados dos 50. As três famílias constituídas há pouco mais de dez anos, tinham em comum, o clube que freqüentavam, a euforia dos projetos de vida se construindo, crianças saudáveis em vésperas da puberdade, mulheres bem tratadas e bem dotadas, esmeradas donas de casa e mães, e apartamentos recém comprados na maravilhosa Copacabana. Todos, com decoração da moda, vitrolas de Alta Fidelidade e televisão. Caminhavam juntos para a compra do primeiro automóvel. Moviam-se pela e na euforia desenvolvimentista daqueles tempos. E tinham empregos seguros, funcionários públicos que eram, e salários razoáveis já que também possuíam curso superior. Vidas bem traçadas, futuros infalíveis. Encontraram-se ali na Shangrilá dos anos dourados.
Ele e sua família não vinham de longe, saíram até de bem perto, da Zona Norte do Rio, do Andaraí, da vila onde passara a infância e onde conhecera a esposa, na Araripe Junior. Vida de subúrbio, de pelada na rua, de pipas nas calçadas, de escola pública, de apertos extremos, de religiosidade, de sacrifícios dos pais e de passeios no Bonde Praça Verdún - Praça XV, bailes no Grajaú e no Tijuca Tênis Clube e sonhos de crescer, virar doutor e morar em Copacabana.
O Almeida, e sua família vinham de um pouco mais longe, mas não muito. Do interior de Minas, de Conselheiro Lafayete. Onde o pai, ferroviário, educara os filhos para serem igualmente ferroviários. O Almeida, entretanto formou-se contador e após um emprego na Central, conseguira uma colocação no Banco do Brasil, e logo depois uma transferência para a capital da república. Trabalhando na sede do Banco, pode mudar-se com a esposa e a única filha, diretamente para viver perto do mar de Copacabana, seu sonho infantil.
O Brito, nordestino, viera de Recife concluir aqui seu curso de Direito. Filho de família mais abastada chegara solteiro ao Rio dos anos 40, e ali mesmo em Copacabana casara-se com a uma bela moça, filha de um comerciante local. Casaram-se tarde e ainda tinham filhos pequenos. O Brito, engraçado, vinha de mais longe, mas era o mais familiarizado com Copacabana. Dizia esnobe: “Sou um homem de Copacabana, aqui me formei, aqui amei pela primeira vez, aqui casei e não saio daqui nem morto”.
Como moravam todos ali entre a República do Peru e a Santa Clara, freqüentavam o mesmo clube, a mesma praia e suas famílias cresceram praticamente juntas, suas vidas se entrelaçaram desde então.
Praticamente, foram fundadores da Banda da Paula Freitas. E no carnaval, os três eram vistos sempre juntos, na frente do cordão. Vestidos de mulher embrenhavam-se Copacabana adentro e afora e construíam histórias que alimentaram suas gargalhadas na velhice. As esposas lhes faziam a concessão no período momesco e se limitavam a esperá-los na quarta-feira de cinzas. Era a única concessão, entretanto. As outras farras eram sempre feitas por baixo do pano, ao gosto ou à moda da hipocrisia da época. Segredos absolutos, apenas revividos ou recontados, não sem floreios maiores, nos tempos tardios quando já eram sós.
Reuniam-se com as esposas às sextas-feiras, para um jantar alegre e romântico, às vezes iam dançar nas boates da moda e cruzavam com gente do high society, confundindo-se com eles, naquela glamourosa Copacabana dos anos 50. Os encontros de sexta à noite eram quase religiosos. Tempos bons, do JK, dos novos automóveis, de Marta Rocha e Adalgisa Colombo, do campeonato mundial de 58, vingança tardia do vexame do Maracanã, em 50. Do menino Pelé surgindo, dos cariocas Garrincha e Didi, todos fenomenais, da Bossa Nova e do beco das Garrafas, seu berço, bem ali, ao lado deles em Copacabana.
Nos anos 60, assistiram e participaram ativamente da resistência à invasão esquerdista que minava a família e o bem viver, subvertia e distanciava-os dos filhos, que cresciam com idéias de revolução comunista. Uns ingratos. Os dois filhos do Brito, mais novos, desapareceram nesta aventura revolucionária e juntos sofreram as perdas imensas. Um deles se soube, foi morto. O outro, o mais velho desapareceu sem deixar rastros. A mulher dele nunca mais foi a mesma. Morreu de tristeza a coitada. O Brito, o “homem de Copacabana”, foi o primeiro a ficar só, e entregou-se, ainda relativamente moço, ao trabalho e a esbórnia. Jamais quis constituir outra família, e recuperou a alegria nos copos e nos corpos das moças da Prado Junior e da Princesa Izabel.
A filha do Almeida, mais ajuizada, arranjou um gringo, casou-se e foi morar nos Estados Unidos. A esposa vivia entre a casa e as visitas à filha, dilapidando a poupança da família nessas viagens. Ele, em troca, vivia sua liberdade semi-consentida. Um dia, já nos setenta, nasceu-lhe o primeiro neto. Foram ambos conhecer, passaram uma temporada lá e Almeida voltou só. A esposa ficou ajudando a filha, voltou umas outras duas vezes aqui, vivia tentando convencer o Almeida a ir morar nos States: “Aquilo sim era lugar civilizado! Digno da vida que merecia e sonhara”. Almeida, irredutível, alegava que seu lugar era em Copacabana e que não era nenhum ricaço, tinha responsabilidades na repartição e tinha mesmo que cumpri-las para sustentar os luxos da família mal acostumada. Foram lentamente se separando. Numa das voltas da esposa, veio à baila um caso do Almeida. Pronto! Foi o bastante para que a separação de fato, se tornasse de direito e Almeida foi o segundo a ficar só. Era o começo dos anos oitenta.
Ele mesmo foi afinal o que teve vida familiar mais duradoura e sem grandes sobressaltos. Seus filhos, principalmente sua filha, também se envolveram com a política nos anos sessenta e setenta, mas, mais maduros e com a idade adulta começando, trataram de por suas vidas em marcha. A filha, muito aplicada e envolvida intelectualmente com ideais revolucionários, foi estudar em Paris. E por lá ficou, nunca se casou, mas ali se estabeleceu, virou professora da Universidade de Paris e naturalizou-se francesa. Mantém contato carinhoso com ele, mas nunca ou quase nunca, vem ao Brasil. Enquanto a esposa era viva, eles iam visitá-la e são boas as recordações que tem daquelas viagens. A menina era um orgulho. Só tinha aquela coisa esquisita de nunca ter um namorado, e embora, como a mãe, também fosse uma mulher muito atraente, vivia, ou vive, só com uns gatos e cercada de muitos amigos e principalmente amigas.
O filho fez concurso para trabalhar no Congresso Nacional, tornou-se assessor da bancada de oposição consentida do então MDB, mudando-se para Brasília, onde arrumou, e bem, sua vida por lá. O filho e a nora goiana que ele conheceu em Brasília, lhe deram os dois netos que já caminhavam para dar-lhe bisnetos. Enquanto a esposa era viva e os netos pequenos as idas e vindas para Brasília eram constantes. Com a morte da companheira os encontros tornaram-se cada vez mais escassos. A tristeza e a solidão invadiram sua vida e sua alma.
Vendeu o imóvel da família, distribuiu aos filhos suas partes, comprou um apartamento menor ali pela Viveiros de Castro e foi aos poucos retomando o contato cotidiano com o Brito e com o Almeida.
Os anos 90 foram anos de retomada de caminhos para os três. Não que tivessem rompido, ou se afastado. Mas o crescimento dos filhos, as diferenças de trajetórias e a maturidade dos casais determinaram algum distanciamento. Claro, acompanharam juntos e foram solidários com as perdas do Brito. Tentaram ajudar nas dissensões entre o Almeida e sua mulher. Mas à medida que eles foram ficando sós as relações entre ele e sua família e os novos solteirões padeceram de um necessário afastamento. Viam-se eventualmente, recebiam os amigos em casa em alguns domingos, mas não era a mesma coisa. O vôlei na rede da Paula Freitas era o principal ponto de fidelidade entre os três homens e claro a cervejinha religiosa depois do suor. Nos 90, voltavam a ficar em igualdade de condições e Copacabana, embora muito transformada, revista, revisada estava ali mesmo para afagar-lhes as almas.
O reencontro permitiu que se ajudassem mutuamente no esquecimento das tristezas, e no preenchimento dos espaços deixados com os acontecimentos em cada vida. As perdas dele, mais recentes, e a longa vida com a companheira o deixavam mais rabugento, mais resistente, mais velho que os outros, embora, de fato, não o fosse.
Mas isto não durou muito. A persistência dos amigos e as muitas histórias vividas em comum, logo lhe devolveram a alegria de viver e por conseqüência melhores condições de saúde.
Logo estava nos barzinhos até tarde. A mexer com as moças, a jogar porrinha, a discutir futebol. Copacabana tinha tantos barzinhos! E durante os dias havia aquele ócio à beira mar. É não dava para ficar rabugento.
Moviam-se mesmo a recordações. Lembraram com freqüência da Avenida antes da duplicação, do novo calçadão, quando discutiam sobre se foi melhor ou pior para o bairro, aquela mudança tão drástica. Não chegavam a um consenso! Lembravam-se da avenida sendo cada vez mais ocupada pelos edifícios, “agora já nem restavam casas, era mais bonito antigamente”. “É, mais hoje mais gente pode desfrutar desta vista maravilhosa, hoje é melhor”. “Não, antes era muito melhor”. Discordavam.
Não paravam de falar dos bailes e dos shows no Copa, dos jantares no Vogue, no Florentino, no Bife de Ouro, no Ouro Verde, no Alcazar, do luxo daqueles anos bons. Nisso concordavam, eram mesmo luxuosos aqueles anos 50 e 60.
Lembravam-se das comemorações pelos campeonatos de futebol. A de 62 foi chocha, nem havia televisão, bom mesmo foi o desfile em carro aberto quando os rapazes voltaram do Chile. Bi-campeões. A da copa de 70, ainda na avenida estreita, foi uma apoteose. Um porre inesquecível. Também aquela seleção merecia. O tetra campeonato em 94 teve muita comemoração, mas não teve o mesmo sabor e nem estavam juntos. De pênalti...
E do carnaval. Ah! O carnaval, que maravilha. Aquelas farras vestidos de mulher, o cheiro da lança perfume, as belezuras, se mostrando todas, rebolando sem parar com as marchinhas, depois as bandas. Este era o assunto preferido. Mas também não havia muito consenso. Concordavam que era muito melhor do que hoje. Divertiam-se mais. Os homens vestidos de mulher eram homens e gostavam de mulher, depois os pederastas tomaram conta de tudo e agora havia as Drag Queens. Mas discordavam quanto à sensualidade das mulheres. As de hoje se expunham mais, rebolavam mais, eram mais indecentes, no carnaval ou fora dele. Brito então, que ficara novo solteiro antes, adorava aquela exposição. Almeida e, principalmente, ele gostavam mais das formas sugeridas, dos decotes que insinuavam os seios, daquela exposição velada e mais excitante de outrora. “Essa mulherada pelada, não dá margem à imaginação, à fantasia”, argumentava. “E quem precisa de fantasia, se a gente tem a forma verdadeira ao nosso alcance”, refutava veemente o Brito.
O erotismo estava sempre no ar, seja pela visão eloqüente das moças seminuas a caminho da praia, seja pela recordação dos velhos tempos e dos velhos casos, seja ainda pelas pequenas aventuras de sedução, que lhes davam a falsa ilusão da conquista, no convívio com as amigas, “garotas de programa”, já não tão garotas, que dividiam com eles os balcões dos botecos do Beco da Fome, e depois dos barzinhos ali do Lido nesses novos tempos. Com a invenção da “pílula azul”, o erotismo às vezes chegava a termo e tinham a recompensa de uma atividade sexual há tempos adormecida. Bem, se havia um consenso a respeito das maravilhas do mundo moderno, este se dava em torno desta portentosa invenção da medicina. Não esperavam viver para ver isto e muito menos para usufruir o benefício.
Quando chegavam perto das festas do fim do ano, as emoções se dividiam entre a nostalgia dos velhos tempos dos natais em família e a alegria da festa de reveillon na praia, para saudar o novo ano. Sobre os natais era invariável a recordação dos filhos abrindo os presentes, do champagne e das ceias, quando tantas vezes estiveram juntos. Fotos amareladas, recordações que lhes impunham o reconhecimento de que o tempo passara a havia muita história e muita perda. E, de outro lado, a expectativa da festa de ano novo na praia de Copacabana, uma atração nacional que ano a ano se engrandecia e trazia as luzes da cidade, do país, do mundo para o bairro querido. Sentiam-se como pioneiros de uma transformação positiva. Cada um, juntos ou separados, havia passado pelo menos 30 reveillons na praia nos últimos 40 anos.
Lembram dos primeiros tempos das festas onde prevalecia o som do atabaque, a imagem das baianas vestidas de branco e girando, das oferendas à Iemanjá e da tradição de vestir branco que se consolidava, tudo com som dos rojões Caramuru que cada grupo levava. Uma barulheira infernal. Depois, os comerciantes, começaram a montar aqui e ali pontos de fogos de artifício, consolidando uma outra tradição. A cascata do Merídian, um marco. Depois a Prefeitura da cidade assumiu o comando da festa, fogos em profusão, para todo lado, e cada vez mais gente para vê-los, todos vestidos de branco. Depois ainda os shows de cantores em palcos imensos, assegurando mais atrativos para a festa monumental.
**************
Dois milhões de pessoas era a expectativa dos organizadores para o reveillon do milênio. 2001 o ano da odisséia no espaço chegaria finalmente, e ele estava ali de prontidão para testemunhar. Alegria imensa, de estar vivo, e ainda feliz com a vida apesar de tanta estrada, apesar de tanta perda. Ele, o Brito e o Almeida, fiéis amigos, e mais quatro amigas da noite, todas pela faixa dos cinqüenta, estavam no calçadão, numa mesinha reservada pra eles no Bolero, velho Bolero, que tanto havia mudado, mas que mantinha aquele ar de antigamente, entre o brega dos bordeis e a sofisticação das chopperias turísticas à beira-mar. Mesa cativa. Festa inigualável. Grupo mais animado não havia, pareciam meninos e meninas no folguedo maior de Copacabana.
O novo milênio, entretanto, deixou à mostra as marcas do tempo e a dificuldade de enfrentar com a mesma galhardia a passagem das horas. Ainda em 2001, o fígado do Brito, tão experimentado, “deu pau”, como se diz na gíria. Tomou conta de seu organismo uma cirrose sem volta. Tempos difíceis de hospital, o São Lucas, claro, pois o Brito não admitia se tratar em outro lugar que não fosse Copacabana, de remédios e de dores. Neste tempo apareceram uns parentes do Brito, cheios de desvelo. Sobrinhos e sobrinhos netos, que nós, amigos fiéis nunca havíamos visto ou ouvido falar. Mas era assim mesmo, sempre há perto de uma carcaça moribunda um bando de urubus a esperar as sobras. Ele então, que tinha o maior patrimônio de três e não tinha herdeiros diretos, haveria de ter um monte de aves de rapina a comboiar sua alma. O Brito não se incomodava com nada disso. Achava bom que pelo menos nessa hora estivessem ali. Só fazia questão de duas coisas: que não lhe tirassem do São Lucas e que fosse cremado e suas cinzas fossem jogadas, da madrugada, no mar de Copacabana, pois dali como repetira a vida toda: “não sairia nem morto”.
Fez dele e do Almeida testemunhas e responsáveis para que os desvelados sobrinhos não o deixassem na mão, depois da partida. Brito partiu antes do reveillon de 2002, suas cinzas foram ao mar. E ele e Almeida ficaram órfãos.
Em 2002, foi a vez do Almeida. Morte estúpida e inesperada. Caminhava na noite, com uma amiga da noite, nas ruas desertas da madrugada do Lido. Não temia nada, aquele território era dele, sempre fora. Meio alto afogava suas mágoas e solidões nos ombros da amiga amada, quando lhes cercaram alguns destes moleques que cada vez mais viviam nas ruas de Copacabana. Diabretes inconvenientes. Marcas de um tempo ruim, uma espécie de sarna que foi proliferando pelas ruas do bairro quase imperceptivelmente e que lhe corria a beleza e a vida pouco a pouco. Almeida não percebia e não aceitava esta doença em seu bairro, reagindo com veemência quando alguém a denunciava: “Não é nada disso, são uns pequenos miseráveis, frutos do crescimento das cidades e das injustiças do mundo. São vítimas!”, dizia ele, “e não existem só aqui não, garanto que lá nos States, onde vive minha filha, a coisa não é melhor, vocês é que tem mania de desvalorizar o que têm.” Para o Almeida, Copacabana não tinha defeitos. Paradoxalmente, justo ele, foi vítima das vítimas, que tentavam lhe assaltar. Reagiu indignado e foi empurrado com força, e chutado e violentado. Desacordado e sem assistência, morreu ali mesmo numa calçada da Duvivier. De testemunha, só a amiga, que também fora espancada. Mas, atendida, conseguiria sobreviver, sem, entretanto, conseguir se lembrar exatamente como tudo acontecera.
A filha e o genro vieram dos Estados Unidos cuidar das exéquias e dos procedimentos judiciais posteriores. Fizeram tudo o mais rapidamente possível e retornaram assustados à civilização: “Terra de bárbaros, de índios...bem fez a minha mãe que foi viver conosco nos Estados Unidos”, dizia ela, sempre que encontrava alguém que, como ele, conhecera na juventude. Para ele, ainda acrescentava: “O senhor me desculpe, mas meu pai mereceu isto, morreu de teimoso”. Acusava o velho pai, que de vítima passara, em sua versão da história, a vilão.
Ele, não reagia, concordava com um sorriso mudo e pensava com seus botões: “Você não sabe de nada minha filha. Não sabe que até os oitenta anos seu pai ainda era capaz de amar, de beber, de sorrir. A vida lhe fluía nas veias como os automóveis que andavam ruidosos pelas ruas da Copacabana que ele tanto amava”. Pensava, mas não dizia. Pra que? Que ela achasse que ele era um velho teimoso e infeliz, sobretudo, se isso a fazia melhor.
O fato é que a partida dos dois amigos quase em seguida, acabou com ele, com a alegria que ainda tinha, com a saúde que lhe restara. Os mais de oitenta anos começaram a lhe pesar nas costas subitamente, como se em um lapso, finalmente, tivesse ficado velho. Muito velho.
Caminhava às vezes, pelas ruas do bairro. Às vezes parava para uma cervejinha com um conhecido de pé de balcão. Às vezes até ia à praia tomar um pouco de sol. Mas tudo deixava de ter graça. E cada vez mais, confinava-se em seu apartamento, a ruminar seus pensamentos antigos. Os achaques lhe vieram e os remédios eram cada vez em maior número e mais freqüentes. Ele que nunca fora amigo da televisão dividia seu tempo entre ver televisão, sobretudo os tele-jornais, e as idas à farmácia e aos médicos. Felizmente, estava em Copacabana, onde tudo havia.
Pouco saía para comer, apenas uma vez ou outra, na maioria das vezes pedia uma comida ou um sanduíche do Cervantes. Entregavam, em casa e pronto. Não encontrava alegria nas coisas e não entendia o sentido da vida sem alegria, mas, ao mesmo tempo, apegava-se a ela num paradoxo incompreensível.
Não entregava os pontos para os filhos e netos, que ligavam uma vez por mês, os ingratos. Para eles sempre dizia que ia bem e que não lhe tirassem dali, tinha o que queria e vivia, como sempre, com a alegria que lhe marcara a imagem diante dos outros. Os filhos acostumados àquela conversa não percebiam o que se passava. Ele, entretanto, que sempre convivera com eles desta forma distante e gentil, que impunha a distância como forma de preservar sua liberdade e intimidade, agora os considerava uns ingratos, uns desnaturados, uns infelizes.
Em seus pensamentos tinha sempre críticas para eles, para todos, para as notícias dos tele-jornais, para o próprio bairro, que tanto amava e no qual vivera boa parte de sua vida.
Tornara-se enfim um velho solitário de Copacabana, como tantos. O bairro já não era o mesmo. Ele já não era o mesmo. A vida já não era a mesma. Mas ali viveria, com paradoxal apego, seus últimos dias, naquele espaço que lhe parecia cada vez mais exíguo, cada vez mais mesquinho, como ele mesmo.
Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 2004
Alexandre Santos
Chegara enfim ao século XXI. Vivia só naquele pequeno apartamento, na sua amada Copacabana, bairro aonde morava há mais de 40 anos. Os filhos dispersaram-se pelos caminhos e o encontravam em datas festivas e mesmo assim eventualmente, já que não viviam na cidade e tinham lá suas responsabilidades. Felizmente, não dependia deles. Tinha seu cantinho e a aposentadoria, que dava para pagar os remédios, o choppinho, ainda, e as refeições parcas. Às vezes até conseguia economizar algum para ir visitar os netos. Coisa cada vez mais rara, já que eles também não eram mais crianças e também tinham suas vidas em construção.
Com exceção de um ou outro problema crônico e próprio da idade, quase oitenta anos, tinha uma saúde relativamente boa, aparência razoável e, sobretudo, alegria de viver. O sol, a praia cotidiana, as caminhadas diárias, as braçadas no mar e até uma ou outra partidinha de vôlei lhe asseguravam isto.
De modo que vivia ali, com suas recordações, lembranças já meio apagadas da companheira que havia partido há mais de dez anos, e com os amigos da geração, que cada vez mais eram também lembranças. Restavam poucos, cada um com suas mazelas, mas, pelo menos com aqueles que como ele viviam em Copacabana, sempre era possível umas boas risadas, um joguinho nas mesinhas do Lido, os goles nos botecos da Prado Junior, a visão das belas e a evolução, ou involução, formidável das indumentárias, em especial no verão. Havia dois amigos inseparáveis, desenvolveram-se profissionalmente juntos, eram praticamente vizinhos e, além disso, em comum tinham a solidão e o modo de vida. Quando estavam juntos, não havia solidão, quando estavam juntos havia um pouco mais de juventude.
****************
Conheceram-se no Leme Tênis Clube em meados dos 50. As três famílias constituídas há pouco mais de dez anos, tinham em comum, o clube que freqüentavam, a euforia dos projetos de vida se construindo, crianças saudáveis em vésperas da puberdade, mulheres bem tratadas e bem dotadas, esmeradas donas de casa e mães, e apartamentos recém comprados na maravilhosa Copacabana. Todos, com decoração da moda, vitrolas de Alta Fidelidade e televisão. Caminhavam juntos para a compra do primeiro automóvel. Moviam-se pela e na euforia desenvolvimentista daqueles tempos. E tinham empregos seguros, funcionários públicos que eram, e salários razoáveis já que também possuíam curso superior. Vidas bem traçadas, futuros infalíveis. Encontraram-se ali na Shangrilá dos anos dourados.
Ele e sua família não vinham de longe, saíram até de bem perto, da Zona Norte do Rio, do Andaraí, da vila onde passara a infância e onde conhecera a esposa, na Araripe Junior. Vida de subúrbio, de pelada na rua, de pipas nas calçadas, de escola pública, de apertos extremos, de religiosidade, de sacrifícios dos pais e de passeios no Bonde Praça Verdún - Praça XV, bailes no Grajaú e no Tijuca Tênis Clube e sonhos de crescer, virar doutor e morar em Copacabana.
O Almeida, e sua família vinham de um pouco mais longe, mas não muito. Do interior de Minas, de Conselheiro Lafayete. Onde o pai, ferroviário, educara os filhos para serem igualmente ferroviários. O Almeida, entretanto formou-se contador e após um emprego na Central, conseguira uma colocação no Banco do Brasil, e logo depois uma transferência para a capital da república. Trabalhando na sede do Banco, pode mudar-se com a esposa e a única filha, diretamente para viver perto do mar de Copacabana, seu sonho infantil.
O Brito, nordestino, viera de Recife concluir aqui seu curso de Direito. Filho de família mais abastada chegara solteiro ao Rio dos anos 40, e ali mesmo em Copacabana casara-se com a uma bela moça, filha de um comerciante local. Casaram-se tarde e ainda tinham filhos pequenos. O Brito, engraçado, vinha de mais longe, mas era o mais familiarizado com Copacabana. Dizia esnobe: “Sou um homem de Copacabana, aqui me formei, aqui amei pela primeira vez, aqui casei e não saio daqui nem morto”.
Como moravam todos ali entre a República do Peru e a Santa Clara, freqüentavam o mesmo clube, a mesma praia e suas famílias cresceram praticamente juntas, suas vidas se entrelaçaram desde então.
Praticamente, foram fundadores da Banda da Paula Freitas. E no carnaval, os três eram vistos sempre juntos, na frente do cordão. Vestidos de mulher embrenhavam-se Copacabana adentro e afora e construíam histórias que alimentaram suas gargalhadas na velhice. As esposas lhes faziam a concessão no período momesco e se limitavam a esperá-los na quarta-feira de cinzas. Era a única concessão, entretanto. As outras farras eram sempre feitas por baixo do pano, ao gosto ou à moda da hipocrisia da época. Segredos absolutos, apenas revividos ou recontados, não sem floreios maiores, nos tempos tardios quando já eram sós.
Reuniam-se com as esposas às sextas-feiras, para um jantar alegre e romântico, às vezes iam dançar nas boates da moda e cruzavam com gente do high society, confundindo-se com eles, naquela glamourosa Copacabana dos anos 50. Os encontros de sexta à noite eram quase religiosos. Tempos bons, do JK, dos novos automóveis, de Marta Rocha e Adalgisa Colombo, do campeonato mundial de 58, vingança tardia do vexame do Maracanã, em 50. Do menino Pelé surgindo, dos cariocas Garrincha e Didi, todos fenomenais, da Bossa Nova e do beco das Garrafas, seu berço, bem ali, ao lado deles em Copacabana.
Nos anos 60, assistiram e participaram ativamente da resistência à invasão esquerdista que minava a família e o bem viver, subvertia e distanciava-os dos filhos, que cresciam com idéias de revolução comunista. Uns ingratos. Os dois filhos do Brito, mais novos, desapareceram nesta aventura revolucionária e juntos sofreram as perdas imensas. Um deles se soube, foi morto. O outro, o mais velho desapareceu sem deixar rastros. A mulher dele nunca mais foi a mesma. Morreu de tristeza a coitada. O Brito, o “homem de Copacabana”, foi o primeiro a ficar só, e entregou-se, ainda relativamente moço, ao trabalho e a esbórnia. Jamais quis constituir outra família, e recuperou a alegria nos copos e nos corpos das moças da Prado Junior e da Princesa Izabel.
A filha do Almeida, mais ajuizada, arranjou um gringo, casou-se e foi morar nos Estados Unidos. A esposa vivia entre a casa e as visitas à filha, dilapidando a poupança da família nessas viagens. Ele, em troca, vivia sua liberdade semi-consentida. Um dia, já nos setenta, nasceu-lhe o primeiro neto. Foram ambos conhecer, passaram uma temporada lá e Almeida voltou só. A esposa ficou ajudando a filha, voltou umas outras duas vezes aqui, vivia tentando convencer o Almeida a ir morar nos States: “Aquilo sim era lugar civilizado! Digno da vida que merecia e sonhara”. Almeida, irredutível, alegava que seu lugar era em Copacabana e que não era nenhum ricaço, tinha responsabilidades na repartição e tinha mesmo que cumpri-las para sustentar os luxos da família mal acostumada. Foram lentamente se separando. Numa das voltas da esposa, veio à baila um caso do Almeida. Pronto! Foi o bastante para que a separação de fato, se tornasse de direito e Almeida foi o segundo a ficar só. Era o começo dos anos oitenta.
Ele mesmo foi afinal o que teve vida familiar mais duradoura e sem grandes sobressaltos. Seus filhos, principalmente sua filha, também se envolveram com a política nos anos sessenta e setenta, mas, mais maduros e com a idade adulta começando, trataram de por suas vidas em marcha. A filha, muito aplicada e envolvida intelectualmente com ideais revolucionários, foi estudar em Paris. E por lá ficou, nunca se casou, mas ali se estabeleceu, virou professora da Universidade de Paris e naturalizou-se francesa. Mantém contato carinhoso com ele, mas nunca ou quase nunca, vem ao Brasil. Enquanto a esposa era viva, eles iam visitá-la e são boas as recordações que tem daquelas viagens. A menina era um orgulho. Só tinha aquela coisa esquisita de nunca ter um namorado, e embora, como a mãe, também fosse uma mulher muito atraente, vivia, ou vive, só com uns gatos e cercada de muitos amigos e principalmente amigas.
O filho fez concurso para trabalhar no Congresso Nacional, tornou-se assessor da bancada de oposição consentida do então MDB, mudando-se para Brasília, onde arrumou, e bem, sua vida por lá. O filho e a nora goiana que ele conheceu em Brasília, lhe deram os dois netos que já caminhavam para dar-lhe bisnetos. Enquanto a esposa era viva e os netos pequenos as idas e vindas para Brasília eram constantes. Com a morte da companheira os encontros tornaram-se cada vez mais escassos. A tristeza e a solidão invadiram sua vida e sua alma.
Vendeu o imóvel da família, distribuiu aos filhos suas partes, comprou um apartamento menor ali pela Viveiros de Castro e foi aos poucos retomando o contato cotidiano com o Brito e com o Almeida.
Os anos 90 foram anos de retomada de caminhos para os três. Não que tivessem rompido, ou se afastado. Mas o crescimento dos filhos, as diferenças de trajetórias e a maturidade dos casais determinaram algum distanciamento. Claro, acompanharam juntos e foram solidários com as perdas do Brito. Tentaram ajudar nas dissensões entre o Almeida e sua mulher. Mas à medida que eles foram ficando sós as relações entre ele e sua família e os novos solteirões padeceram de um necessário afastamento. Viam-se eventualmente, recebiam os amigos em casa em alguns domingos, mas não era a mesma coisa. O vôlei na rede da Paula Freitas era o principal ponto de fidelidade entre os três homens e claro a cervejinha religiosa depois do suor. Nos 90, voltavam a ficar em igualdade de condições e Copacabana, embora muito transformada, revista, revisada estava ali mesmo para afagar-lhes as almas.
O reencontro permitiu que se ajudassem mutuamente no esquecimento das tristezas, e no preenchimento dos espaços deixados com os acontecimentos em cada vida. As perdas dele, mais recentes, e a longa vida com a companheira o deixavam mais rabugento, mais resistente, mais velho que os outros, embora, de fato, não o fosse.
Mas isto não durou muito. A persistência dos amigos e as muitas histórias vividas em comum, logo lhe devolveram a alegria de viver e por conseqüência melhores condições de saúde.
Logo estava nos barzinhos até tarde. A mexer com as moças, a jogar porrinha, a discutir futebol. Copacabana tinha tantos barzinhos! E durante os dias havia aquele ócio à beira mar. É não dava para ficar rabugento.
Moviam-se mesmo a recordações. Lembraram com freqüência da Avenida antes da duplicação, do novo calçadão, quando discutiam sobre se foi melhor ou pior para o bairro, aquela mudança tão drástica. Não chegavam a um consenso! Lembravam-se da avenida sendo cada vez mais ocupada pelos edifícios, “agora já nem restavam casas, era mais bonito antigamente”. “É, mais hoje mais gente pode desfrutar desta vista maravilhosa, hoje é melhor”. “Não, antes era muito melhor”. Discordavam.
Não paravam de falar dos bailes e dos shows no Copa, dos jantares no Vogue, no Florentino, no Bife de Ouro, no Ouro Verde, no Alcazar, do luxo daqueles anos bons. Nisso concordavam, eram mesmo luxuosos aqueles anos 50 e 60.
Lembravam-se das comemorações pelos campeonatos de futebol. A de 62 foi chocha, nem havia televisão, bom mesmo foi o desfile em carro aberto quando os rapazes voltaram do Chile. Bi-campeões. A da copa de 70, ainda na avenida estreita, foi uma apoteose. Um porre inesquecível. Também aquela seleção merecia. O tetra campeonato em 94 teve muita comemoração, mas não teve o mesmo sabor e nem estavam juntos. De pênalti...
E do carnaval. Ah! O carnaval, que maravilha. Aquelas farras vestidos de mulher, o cheiro da lança perfume, as belezuras, se mostrando todas, rebolando sem parar com as marchinhas, depois as bandas. Este era o assunto preferido. Mas também não havia muito consenso. Concordavam que era muito melhor do que hoje. Divertiam-se mais. Os homens vestidos de mulher eram homens e gostavam de mulher, depois os pederastas tomaram conta de tudo e agora havia as Drag Queens. Mas discordavam quanto à sensualidade das mulheres. As de hoje se expunham mais, rebolavam mais, eram mais indecentes, no carnaval ou fora dele. Brito então, que ficara novo solteiro antes, adorava aquela exposição. Almeida e, principalmente, ele gostavam mais das formas sugeridas, dos decotes que insinuavam os seios, daquela exposição velada e mais excitante de outrora. “Essa mulherada pelada, não dá margem à imaginação, à fantasia”, argumentava. “E quem precisa de fantasia, se a gente tem a forma verdadeira ao nosso alcance”, refutava veemente o Brito.
O erotismo estava sempre no ar, seja pela visão eloqüente das moças seminuas a caminho da praia, seja pela recordação dos velhos tempos e dos velhos casos, seja ainda pelas pequenas aventuras de sedução, que lhes davam a falsa ilusão da conquista, no convívio com as amigas, “garotas de programa”, já não tão garotas, que dividiam com eles os balcões dos botecos do Beco da Fome, e depois dos barzinhos ali do Lido nesses novos tempos. Com a invenção da “pílula azul”, o erotismo às vezes chegava a termo e tinham a recompensa de uma atividade sexual há tempos adormecida. Bem, se havia um consenso a respeito das maravilhas do mundo moderno, este se dava em torno desta portentosa invenção da medicina. Não esperavam viver para ver isto e muito menos para usufruir o benefício.
Quando chegavam perto das festas do fim do ano, as emoções se dividiam entre a nostalgia dos velhos tempos dos natais em família e a alegria da festa de reveillon na praia, para saudar o novo ano. Sobre os natais era invariável a recordação dos filhos abrindo os presentes, do champagne e das ceias, quando tantas vezes estiveram juntos. Fotos amareladas, recordações que lhes impunham o reconhecimento de que o tempo passara a havia muita história e muita perda. E, de outro lado, a expectativa da festa de ano novo na praia de Copacabana, uma atração nacional que ano a ano se engrandecia e trazia as luzes da cidade, do país, do mundo para o bairro querido. Sentiam-se como pioneiros de uma transformação positiva. Cada um, juntos ou separados, havia passado pelo menos 30 reveillons na praia nos últimos 40 anos.
Lembram dos primeiros tempos das festas onde prevalecia o som do atabaque, a imagem das baianas vestidas de branco e girando, das oferendas à Iemanjá e da tradição de vestir branco que se consolidava, tudo com som dos rojões Caramuru que cada grupo levava. Uma barulheira infernal. Depois, os comerciantes, começaram a montar aqui e ali pontos de fogos de artifício, consolidando uma outra tradição. A cascata do Merídian, um marco. Depois a Prefeitura da cidade assumiu o comando da festa, fogos em profusão, para todo lado, e cada vez mais gente para vê-los, todos vestidos de branco. Depois ainda os shows de cantores em palcos imensos, assegurando mais atrativos para a festa monumental.
**************
Dois milhões de pessoas era a expectativa dos organizadores para o reveillon do milênio. 2001 o ano da odisséia no espaço chegaria finalmente, e ele estava ali de prontidão para testemunhar. Alegria imensa, de estar vivo, e ainda feliz com a vida apesar de tanta estrada, apesar de tanta perda. Ele, o Brito e o Almeida, fiéis amigos, e mais quatro amigas da noite, todas pela faixa dos cinqüenta, estavam no calçadão, numa mesinha reservada pra eles no Bolero, velho Bolero, que tanto havia mudado, mas que mantinha aquele ar de antigamente, entre o brega dos bordeis e a sofisticação das chopperias turísticas à beira-mar. Mesa cativa. Festa inigualável. Grupo mais animado não havia, pareciam meninos e meninas no folguedo maior de Copacabana.
O novo milênio, entretanto, deixou à mostra as marcas do tempo e a dificuldade de enfrentar com a mesma galhardia a passagem das horas. Ainda em 2001, o fígado do Brito, tão experimentado, “deu pau”, como se diz na gíria. Tomou conta de seu organismo uma cirrose sem volta. Tempos difíceis de hospital, o São Lucas, claro, pois o Brito não admitia se tratar em outro lugar que não fosse Copacabana, de remédios e de dores. Neste tempo apareceram uns parentes do Brito, cheios de desvelo. Sobrinhos e sobrinhos netos, que nós, amigos fiéis nunca havíamos visto ou ouvido falar. Mas era assim mesmo, sempre há perto de uma carcaça moribunda um bando de urubus a esperar as sobras. Ele então, que tinha o maior patrimônio de três e não tinha herdeiros diretos, haveria de ter um monte de aves de rapina a comboiar sua alma. O Brito não se incomodava com nada disso. Achava bom que pelo menos nessa hora estivessem ali. Só fazia questão de duas coisas: que não lhe tirassem do São Lucas e que fosse cremado e suas cinzas fossem jogadas, da madrugada, no mar de Copacabana, pois dali como repetira a vida toda: “não sairia nem morto”.
Fez dele e do Almeida testemunhas e responsáveis para que os desvelados sobrinhos não o deixassem na mão, depois da partida. Brito partiu antes do reveillon de 2002, suas cinzas foram ao mar. E ele e Almeida ficaram órfãos.
Em 2002, foi a vez do Almeida. Morte estúpida e inesperada. Caminhava na noite, com uma amiga da noite, nas ruas desertas da madrugada do Lido. Não temia nada, aquele território era dele, sempre fora. Meio alto afogava suas mágoas e solidões nos ombros da amiga amada, quando lhes cercaram alguns destes moleques que cada vez mais viviam nas ruas de Copacabana. Diabretes inconvenientes. Marcas de um tempo ruim, uma espécie de sarna que foi proliferando pelas ruas do bairro quase imperceptivelmente e que lhe corria a beleza e a vida pouco a pouco. Almeida não percebia e não aceitava esta doença em seu bairro, reagindo com veemência quando alguém a denunciava: “Não é nada disso, são uns pequenos miseráveis, frutos do crescimento das cidades e das injustiças do mundo. São vítimas!”, dizia ele, “e não existem só aqui não, garanto que lá nos States, onde vive minha filha, a coisa não é melhor, vocês é que tem mania de desvalorizar o que têm.” Para o Almeida, Copacabana não tinha defeitos. Paradoxalmente, justo ele, foi vítima das vítimas, que tentavam lhe assaltar. Reagiu indignado e foi empurrado com força, e chutado e violentado. Desacordado e sem assistência, morreu ali mesmo numa calçada da Duvivier. De testemunha, só a amiga, que também fora espancada. Mas, atendida, conseguiria sobreviver, sem, entretanto, conseguir se lembrar exatamente como tudo acontecera.
A filha e o genro vieram dos Estados Unidos cuidar das exéquias e dos procedimentos judiciais posteriores. Fizeram tudo o mais rapidamente possível e retornaram assustados à civilização: “Terra de bárbaros, de índios...bem fez a minha mãe que foi viver conosco nos Estados Unidos”, dizia ela, sempre que encontrava alguém que, como ele, conhecera na juventude. Para ele, ainda acrescentava: “O senhor me desculpe, mas meu pai mereceu isto, morreu de teimoso”. Acusava o velho pai, que de vítima passara, em sua versão da história, a vilão.
Ele, não reagia, concordava com um sorriso mudo e pensava com seus botões: “Você não sabe de nada minha filha. Não sabe que até os oitenta anos seu pai ainda era capaz de amar, de beber, de sorrir. A vida lhe fluía nas veias como os automóveis que andavam ruidosos pelas ruas da Copacabana que ele tanto amava”. Pensava, mas não dizia. Pra que? Que ela achasse que ele era um velho teimoso e infeliz, sobretudo, se isso a fazia melhor.
O fato é que a partida dos dois amigos quase em seguida, acabou com ele, com a alegria que ainda tinha, com a saúde que lhe restara. Os mais de oitenta anos começaram a lhe pesar nas costas subitamente, como se em um lapso, finalmente, tivesse ficado velho. Muito velho.
Caminhava às vezes, pelas ruas do bairro. Às vezes parava para uma cervejinha com um conhecido de pé de balcão. Às vezes até ia à praia tomar um pouco de sol. Mas tudo deixava de ter graça. E cada vez mais, confinava-se em seu apartamento, a ruminar seus pensamentos antigos. Os achaques lhe vieram e os remédios eram cada vez em maior número e mais freqüentes. Ele que nunca fora amigo da televisão dividia seu tempo entre ver televisão, sobretudo os tele-jornais, e as idas à farmácia e aos médicos. Felizmente, estava em Copacabana, onde tudo havia.
Pouco saía para comer, apenas uma vez ou outra, na maioria das vezes pedia uma comida ou um sanduíche do Cervantes. Entregavam, em casa e pronto. Não encontrava alegria nas coisas e não entendia o sentido da vida sem alegria, mas, ao mesmo tempo, apegava-se a ela num paradoxo incompreensível.
Não entregava os pontos para os filhos e netos, que ligavam uma vez por mês, os ingratos. Para eles sempre dizia que ia bem e que não lhe tirassem dali, tinha o que queria e vivia, como sempre, com a alegria que lhe marcara a imagem diante dos outros. Os filhos acostumados àquela conversa não percebiam o que se passava. Ele, entretanto, que sempre convivera com eles desta forma distante e gentil, que impunha a distância como forma de preservar sua liberdade e intimidade, agora os considerava uns ingratos, uns desnaturados, uns infelizes.
Em seus pensamentos tinha sempre críticas para eles, para todos, para as notícias dos tele-jornais, para o próprio bairro, que tanto amava e no qual vivera boa parte de sua vida.
Tornara-se enfim um velho solitário de Copacabana, como tantos. O bairro já não era o mesmo. Ele já não era o mesmo. A vida já não era a mesma. Mas ali viveria, com paradoxal apego, seus últimos dias, naquele espaço que lhe parecia cada vez mais exíguo, cada vez mais mesquinho, como ele mesmo.
Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 2004
Alexandre Santos
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Como um Pássaro
Pela vida vou,
Como um pássaro!
Vôo, na verdade,
Como um pássaro.
Naturalmente !
Sentindo a brisa,
quando há brisa,
o calor do sol,
quando há sol,
os pingos da chuva,
quando há!
Conformo-me neste caminhar
certo de que os percalços e
atalhos do caminho
foram traçados!
Embora, creia, também,
que é possível escolher
meu caminhar!
Como um pássaro,
posso escolher pra onde voar,
posso escolher onde erigir meu ninho,
e decidir em qual galho pousar!!
Sinto assim a vida!
Como uma dádiva!
O que me basta é saber:
que há o céu para voar e
o poente ou o nascente
para me orientar.
Que existem infinitos lugares onde pousar ou ficar.
Que há a possibilidade, mesmo que resignada,
Entre voar, pousar e ficar.
Desde que saiba que, não sendo pedra,
Um dia hei de partir, para nenhum lugar.
Rio década de 90 (?).
Pela vida vou,
Como um pássaro!
Vôo, na verdade,
Como um pássaro.
Naturalmente !
Sentindo a brisa,
quando há brisa,
o calor do sol,
quando há sol,
os pingos da chuva,
quando há!
Conformo-me neste caminhar
certo de que os percalços e
atalhos do caminho
foram traçados!
Embora, creia, também,
que é possível escolher
meu caminhar!
Como um pássaro,
posso escolher pra onde voar,
posso escolher onde erigir meu ninho,
e decidir em qual galho pousar!!
Sinto assim a vida!
Como uma dádiva!
O que me basta é saber:
que há o céu para voar e
o poente ou o nascente
para me orientar.
Que existem infinitos lugares onde pousar ou ficar.
Que há a possibilidade, mesmo que resignada,
Entre voar, pousar e ficar.
Desde que saiba que, não sendo pedra,
Um dia hei de partir, para nenhum lugar.
Rio década de 90 (?).
Breve passeio nos cinqüenta
Rio de Janeiro, década de 90
Não sei por que?
Deve ter sido o Mauro Rasi
e suas tias que me fizeram passear pelos anos
cinqüenta de minha infância.
O Cadilac rabo de peixe,
na São Paulo, parindo o ABC,
em plenos anos JK!!
Os sobrados no Brooklin Novo,
de ruas de saibro, ainda. O rebanho no pasto,
às margens do Pinheiros, já morrendo...
As saias de bolas, cabelos pintados, unhas longas,
lenços na cabeça e óculos, à la Sofia Loren,
de minha mãe e suas contemporâneas...
A balsa do Guarujá. Meu tampão no olho,
milagre oftálmico do momento,
para não tatear no futuro...
Imagens dispersas, difusas!!! Lembro-me...
A Copa do Mundo de 58, ouvida pelo rádio.
A feitura de Brasília no planalto central,
A fábrica de automóveis Wolksvagen. Um assombro!...
Lembro-me, sem nada perceber então,
que ali reinava um ar de prosperidade,
de crença no futuro. “Brasil!! País do futuro”
Marta Rocha, Pelé, Bossa Nova,
João Gilberto e Astrude no Carning Hall!
Um sucesso. Um assombro...
A morte de meu pai, de revolução industrial.
Infarto fulminante, nem o Prontocor,
novidade moderna, foi capaz de salvar...
A usina de Furnas sendo construída.
Tio Mano e sua prole, lá, nos sertões das Gerais,
ajudando a construir...
O rádio spika,
maravilha soviética como a cadela Laika,
transmitindo os concursos de Miss!!
A Tv preto e branco. Preto no Branco.
A Hebe, ainda!! O Chico Anísio Show, ainda!
O Alô Doçura! O pica-pau! O teatrinho Trol...
A propaganda dos cobertores Parayba,
também nela, todas as noites as nove,
regulando o comportamento dos infantes:
“ Já é hora de dormir,
não espere a mamãe mandar,
um bom sono pra você e
um alegre despertar”
O Ice Cream, o Sunday, delicias da Kibon,
sabores da modernidade,
O Externato Pequenópolis, de Dona Aurélia.
A hípica e seus puros-sangues.
O carrinho de rolimã. A bicicleta.
O ônibus Cidade Monções...
Lembranças difusas da velha São Paulo, se construindo.
Da cabeça, que contem, já velha, estas imagens
dispersas, se (re)construindo.... sempre!
Rio de Janeiro, década de 90
Não sei por que?
Deve ter sido o Mauro Rasi
e suas tias que me fizeram passear pelos anos
cinqüenta de minha infância.
O Cadilac rabo de peixe,
na São Paulo, parindo o ABC,
em plenos anos JK!!
Os sobrados no Brooklin Novo,
de ruas de saibro, ainda. O rebanho no pasto,
às margens do Pinheiros, já morrendo...
As saias de bolas, cabelos pintados, unhas longas,
lenços na cabeça e óculos, à la Sofia Loren,
de minha mãe e suas contemporâneas...
A balsa do Guarujá. Meu tampão no olho,
milagre oftálmico do momento,
para não tatear no futuro...
Imagens dispersas, difusas!!! Lembro-me...
A Copa do Mundo de 58, ouvida pelo rádio.
A feitura de Brasília no planalto central,
A fábrica de automóveis Wolksvagen. Um assombro!...
Lembro-me, sem nada perceber então,
que ali reinava um ar de prosperidade,
de crença no futuro. “Brasil!! País do futuro”
Marta Rocha, Pelé, Bossa Nova,
João Gilberto e Astrude no Carning Hall!
Um sucesso. Um assombro...
A morte de meu pai, de revolução industrial.
Infarto fulminante, nem o Prontocor,
novidade moderna, foi capaz de salvar...
A usina de Furnas sendo construída.
Tio Mano e sua prole, lá, nos sertões das Gerais,
ajudando a construir...
O rádio spika,
maravilha soviética como a cadela Laika,
transmitindo os concursos de Miss!!
A Tv preto e branco. Preto no Branco.
A Hebe, ainda!! O Chico Anísio Show, ainda!
O Alô Doçura! O pica-pau! O teatrinho Trol...
A propaganda dos cobertores Parayba,
também nela, todas as noites as nove,
regulando o comportamento dos infantes:
“ Já é hora de dormir,
não espere a mamãe mandar,
um bom sono pra você e
um alegre despertar”
O Ice Cream, o Sunday, delicias da Kibon,
sabores da modernidade,
O Externato Pequenópolis, de Dona Aurélia.
A hípica e seus puros-sangues.
O carrinho de rolimã. A bicicleta.
O ônibus Cidade Monções...
Lembranças difusas da velha São Paulo, se construindo.
Da cabeça, que contem, já velha, estas imagens
dispersas, se (re)construindo.... sempre!