terça-feira, 26 de junho de 2007



Urbanoide2/Jonas
De repente...!

De repente você está aí e, de repente, descobre que o tempo, passando, foi quem lhe levou. Ou melhor, lhe trouxe até aí.

De repente você chegou aí sem perceber como. Foi caminhando, de repente, o caminho que se lhe apresentava e o trilhou.

Em muitos, muitos momentos, você teve e foi capaz de fazer escolhas. Independentemente de onde estavas, no tempo e no espaço, tenho certeza que foram muitas e difíceis as escolhas.

De repente percebo e espero que já tenhas percebido, que é, justamente, a combinação entre estas escolhas e seus pontos de partida que determinaram, ou permitiram, o fato de você ser quem é e de estar justamente aí, lendo estas palavras. A determinação em lê-las, a vontade de prosseguir na leitura, a reflexão que fizeres sobre ela (independentemente do ponto onde parares) ilustra um ciclo de decisões encadeadas que tomaste no tempo e que lhe carregaram de onde viestes, para onde estás e para onde irás.

Claro, as escolhas são, pelo menos aí e agora, suas. Da mesma forma que no momento em que eu escrevia estas palavras, eram minhas. Na verdade, tanto para mim, naquele momento, quanto para você agora, as escolhas resultaram da repetição exaustiva de exercícios cotidianos e sucessivos, desde a mais tenra e longínqua infância até o dia de amanhã.

Mas nem sempre foi assim!

Somente a partir de um determinado momento em sua existência, passaram a ser escolhas suas, mesmo que ainda não completamente. Muitas vezes você, como eu, não tivemos escolha, ou as escolhas que se nos apresentaram não expressavam de fato nossos desejos ou as alternativas de caminho que antes havíamos imaginado.

Mas, antes ainda, nem eu nem você fazíamos nossas escolhas. Antes de nos percebermos como pessoas, movíamos por escolhas de outros – pais, avós, irmãos, família, professoras, amigos. Mesmo hoje, adultos, não somos completamente donos de nossas escolhas.

Assim, as escolhas são, de certa forma, dadas. Fazemos escolhas tendo em vista a situação em que nos encontramos. Falo do ponto de vista da situação exata: no tempo, no espaço, na circunstância, no entorno, no acúmulo, no patrimônio, nas perspectivas do porvir, no que se passou, em onde estás e para onde queres ir. Ou seja, existe sempre um ponto anterior a cada momento, a cada decisão, e outro ponto anterior, até o ponto original para que possamos definir o tal ponto de vista. Dessa forma, o realmente importante é o ponto de vista original, ou melhor, o ponto de origem, o ponto de partida.

O ponto de vista que te levou a acreditar nas verdades que acreditas. O ponto de vista que me levou a acreditar nas verdades que acredito. O ponto de vista de cada um e, por conseguinte, a verdade de cada um. As verdades, mesmo que próximas, são diferentes. Únicas.

Observe: caímos aqui num mero acaso e passamos a ser o que nos atribuíram ser por mero acaso. Somos, portanto, uma paradoxal combinação de acasos e escolhas. Cada um de nós.

Um lado, o das escolhas, o racional, representa o lógico, o que pesa, mede, avalia e termina por definir o rumo, o próximo passo, o projeto, a busca. O outro, o dos acasos,o que expressa o imprevisível, o dado, o que nos permite e nos obriga tolerar, rever, reconhecer, ter esperanças, lutar.

Em verdade um lado não prepondera sobre o outro, mas, na medida em que envelhecemos, acumulamos experiências em conhecer, avaliar e escolher. Assim, passamos a valorizar mais este lado, que se baseia na racionalidade, e que, afinal, é o lado sobre o qual temos algum domínio, reconhecendo, envergonhados e medrosos, que há o outro lado, que nos pode surpreender em qualquer momento e por distintas causas.

Muitas vezes exercitamos tanto o lado que gostamos, que julgamos dominar, que terminamos por acreditar que temos mesmo o domínio sobre o caminho a trilhar, temos a convicção mais certa de para onde estamos indo, de que forma e quando iremos chegar.

Há pessoas, a maioria delas, que acreditam tanto nisto que terminam por desenvolver modelos de atuação, que pretendem influenciar, transformar, convencer os que estão à sua volta. Algumas delas formulam consensos possíveis em torno destas verdades comuns. A partir destes consensos, construíram-se e constroem-se as religiões, ideologias, projetos políticos e sociais, tratados e normas de convivência, sociedades e convicções coletivas, não universais, pois também as construções racionais e coletivas, decorrem de processos de escolha e de acasos.

Assim, não é difícil perceber que as regras coletivas, que caracterizam e expressam, cada sociedade, cada nação, cada comunidade – e sabemos que são tantas – são, por exemplo, pontos de partida de cada um.

O nascimento é o ponto original de cada um ou uma. O fato de ser um ou uma já é um primeiro acaso, sobre o qual não temos qualquer capacidade de influenciar. Ademais, nascemos, num momento único e num lugar específico e, portanto, trazemos na bagagem a circunstância temporal onde se desenvolveu nossa existência e os deveres e direitos inerentes à nossas sociedades, nacionalidades e naturalidades.

Novos acasos, dados, princípios sobre os quais não podemos influenciar. Contudo, este conjunto de acasos que são atributos específicos de cada nascimento, de cada pessoa e condicionantes essenciais de sua existência, resulta de uma escolha realizada simultaneamente por uma mulher e um homem, que num determinado momento, movidos por uma circunstância especial, num determinado lugar, pertencentes ou não a uma mesma sociedade, nação, grupo étnico ou classe econômica e social, decidiram copular, com ou sem a intenção de conceber e conceberam.

Aconteceu comigo e com você! Concorda?!

Imagine agora, por exemplo, quem sou, onde estava quando escrevia isto, que decisões me levaram a escrever ou constatar isto, que acasos, quais as combinações de decisões e acasos? ....

E você? Ainda está ai? Quantas e quais combinações de acasos e decisões explicam seu trajeto do ponto original, seu ponto original, até aqui....

... um longo repente!


em 2006 e 2007

Jonas

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Eu e os muitos eus

Chega um tempo em nossas vidas em que já nem é mais possível ser muitos em um ou um em muitos. Os muitos que somos assumem aos olhos e percepção dos outros contornos rígidos, formas indeléveis, caras que apenas tivemos furtivamente ou que construímos numa dada circunstância. Estes muitos tornam-se, portanto, cada um e este cada um não é exatamente o que somos ou pensamos ser.

O pior é que ficamos marcados, aos olhos e percepção dos outros, pelos nosso defeitos, idiossincrasias e qualidades excepcionais. Aquele que somos aos nossos próprios olhos, em nossa própria percepção, termina por existir apenas em nós. Mas, à medida que não somos nada mais ou menos do que parecemos ser aos olhos dos outros, terminamos, em algumas circunstâncias, por saber menos de nós do que nós mesmos.

Cada um dos outros tem de você uma imagem própria e peculiar, que é, ao mesmo tempo, o que você ensinou a eles sobre você, por seus gestos, atitudes e aparência, e como o quadro de valores que eles detêm interpretam tais ensinamentos. Na visão de cada um, você é o outro, filtrado e analisado a partir do que ele pensa , vivencia e acredita.

Você, entretanto, se vê de um jeito que é o seu jeito de ver as coisas, vê os outros do seu jeito e os analisa segundo sua própria percepção e seus valores.

Tais constatações tornam-se mais graves e complexas quando tratamos da percepção dos que vivem e habitam nosso próprio cotidiano sobre nós. Pois, se para um qualquer você é um estranho percebido de forma fortuita, para os próximos você é um cuja percepção de você está sedimentada em muitas camadas que, aos poucos, vão tornando rígida a máscara que, segundo eles, cobre-lhe o rosto, emoldura-lhe os gestos, orienta-lhe as ações.

Para esses últimos, há uma vantagem de que boa parte dos valores que cada um detêm é comum aos seus e, portanto, há uma superposição de conceitos e percepções entre o seu quadro de valores e os deles. Todavia, há também um agravante, pois estes, muitas vezes, sedimentam uma percepção sua que não corresponde ao que você pensa que é, obrigando-o a conviver com este outro eu que não é o que você julga ou quer que seja você e que está sempre perto de você a importuna-lo, fazendo-o crer, ou constatar, o que é mais grave, que você é quem não pensa ou sabe que é.
Rio, 03/03/2000
A palavra

A palavra é algo imprescindível.

Na verdade, é o principal veículo de comunicação entre você e todos que lhe cercam. Sem o uso de palavras você deixa de ser alguém, limita-se a ser algo, algo parecido com você, algo que vive, mas não se expressa.

Por certo, não é a palavra o único meio de expressão. Os olhares, os gestos, os cheiros, a forma como você se apresenta, entre outras formas, são meios bastante eloqüentes de expressão.

Contudo, nada há como a palavra. A palavra oral e a palavra escrita.

A palavra falada, o verbo, que desenvolve e agililiza o raciocínio, estabelece a ligação imediata com o mundo exterior, alinha seus argumentos, faz-lhe, enfim, pessoa diante dos demais. A palavra falada, bem costurada, arrematada, constrói o discurso, demonstra o raciocínio reto e certo, impõe aos ouvintes os argumentos incontestáveis, transmite pensamentos, vende idéias.

Mas, mais do que a palavra oral, nada há como a palavra escrita.

Sobre a palavra oral, a palavra escrita leva a vantagem de não ser intempestiva, de poder ser construída de forma cuidadosa, de ser bem escolhida. A palavra escrita bem alinhavada, não deixa dúvidas. É o fundamento do próprio discurso ou o roteiro da aula. E, mais que isto, é o romance, o ensaio, o conto, a poesia, o diário íntimo, o esclarecimento. Não pode haver desespero na palavra escrita, programada, pensada, escolhida.

A palavra escrita é, portanto, a comunicação precisa!!


Alexandre SantosRio, 12 de março de 2002